Espinosa: O Homem Afetado


O homem é afetado por objetos exteriores e é nesta afetação que nasce a distinção entre bem e mal. Pois, segundo Espinosa, todo ser tem um conatus, um esforço que faz para continuar a existir, tanto em termos de extensão, tanto em termos de pensamento. E este esforço é o que faz o ser se aproximar de objetos exteriores que lhe beneficiem, e repudiar os que contribuam para sua destruição, é o que dá vida a nossos conceitos de bem e mal.

No Silêncio da Noite de Nicholas Ray

Um romance trágico, um drama sobre a confiança entre um casal envolvido no mistério. O protagonista é Humphrey Bogart, ou seja um anti-herói trágico, sério, com poucas expressões faciais, que por acaso é um roteirista de Hollywood. A idéia é sair um pouco do esquema de filme Noir,  mostrar um assassinato, dar um mistério para ser resolvido no final, mas não focar nele, mas num romance. Atingir tanto os homens que gostam de se imaginar como Bogart, como as mulheres que têm atração por homens de idade avançada com aparência semi-morta, e expandir também para mulheres que gostam de relações violentas, mas dando uma moral no final.
   
Bogart deve ser um homem frio, violento, porém também amigável, conhecendo todo mundo, do policial ao bêbado, tratando eles bem,  mostrando certa consciência apesar de seu desinteresse. Para dar um ar mais simbolístico a história, ele pode ter uma relação psicológica com o ato de dirigir.  O personagem deve ter um nome bem másculo como John Iron ou Dixon Steele, representando um verdadeiro roteirista de Hollywood, respeitado, lutador, o tipo de homem que você nunca se atreveria a olhar de lado, como Truman Capote.

O Absoluto e o caminho da Natureza para ele, segundo Schelling

Schelling vai contra a nova vertente do realismo empírico, o idealismo empírico, ou seja, a união da relação causa efeito com a relação do afetar, para estabelecer o idealismo absoluto.
   
Baseando-se que o absolutamente ideal é também o absolutamente real e que fora disso só há uma realidade sensível e condicionada, uma particular, busca, tendo o saber como objeto, excluir todas as contingências, que muito bem podem ser estudas por outras ciências, para alcançar o incondicional e o absoluto desse objeto, alcançando o saber absoluto, ou o próprio absoluto em si, já que esses não se distinguem.
   
Estabelece, assim, que o objetivo da filosofia é alcançar este absoluto, com o absoluto ato-de-conhecimento, um saber em que o subjetivo é o objetivo, e não opostos, já que estes no absoluto são um. O absoluto é, enfim, tudo que tem identidade pura, só é igual a si mesmo, independentemente de subjetividade e objetividade, sem deixar de sê-los, sendo matéria e forma, sujeito e objeto. É a totalidade como idéia, eternamente, mesmo quando forma, como objeto, mesmo quando essência, como sujeito. E essa passagem de um para outro, não sai do absoluto, pois este é em si, esse agir. Sua forma é também essência e sua essência é forma. Reconhecendo-se na ação de gerar a partir da objetividade e da finitude, a subjetividade e a infinitude, atingindo uma unidade essencial entre elas, e na ação de dissolver sua objetividade em essência, chegando ao que realmente é: uma essência idêntica de ambos. É o sujeito, dissolvendo a forma na essência, e o objeto, formando a essência na forma, sem distinção, ou seja, num transforma a essência indivisa em forma, no outro, a forma indivisa em essência, é a total identidade, pois eternamente forma unidade consigo mesma. O absoluto é esse agir eterno, puro e uno, é a absolutez que só produz a si mesma. Tendo isso em vista, estabelece-se que as idéias são nada mais que sínteses da identidade absoluta e que as coisas singulares são apenas momentos do ato eterno de transformação da essência na forma. Logo, as coisas em si, são as idéias no eterno ato-de-conhecimento, e como as idéias no absoluto são só uma idéia, também todas as coisas são só uma essência.

Eu, Decartes, Deus

Decartes inicia suas meditações para provar a existência de Deus a partir da analise de seu próprio conhecimento. Para isso, usa seu método científico, que consiste em primeiro não aceitar qualquer proposição que não possa ser dada como verdadeira, como tal, sem antes obter provas disso, acima de qualquer grau de dúvida; segundo, dividindo o problema no maior número de partes possíveis, para após poder analisá-las e solucioná-las em separado, fazendo-o de forma que comece pelas questões mais simples, a subir para o conhecimento das mais complexas; por fim, formulando uma proposição completa que não omita nenhuma outra questão. Assim, tendo isso em vista, Decartes inicia sua meditação por uma limpeza de tudo que possa ser opinião falsa embutida em sua mente. Começa por considerar que tudo que um dia lhe passou uma falsa percepção é duvidoso e, logo, mesmo não sendo necessariamente falso, não pode ser dado como verdadeiro. Para não se perder em analises infinitas, ele vai as bases de suas percepções, seus sentidos, chegando a conclusão que estes já o enganaram diversas vezes. Depois, passa para a analise da realidade, do mundo em si, e chega a conclusão que se comparar essa realidade com seus sonhos, não encontra nenhuma diferença de percepção. Nada o impede de sempre estar sonhando tudo ao seu redor. Porém, disso também chega a uma certeza, a realidade é duvidosa, mas suas faculdades perceptivas, não, elas se mantêm numa constante. Tudo que vê é organizado por figura, quantidade, espaço e tempo, o que não pode ser negado. Por fim, Decartes chega a conclusão que nem as proposições mais básicas podem não ser consideradas duvidosas, pois mesmo questões matemáticas como dois mais três igual a cinco, não podem ser dadas como certas, já que a própria lógica que as dá como certas, pode ser produto de uma enganação. O que abre a porta para sua questão, a existência de Deus. Pois um Deus bom não deveria permitir um mundo criado para enganar suas criações.

Klaus Kinski

O papel de um ator não é assumir um papel, é ser este papel até causar uma explosão expressiva, é transformar o filme num emissor deste papel, é gritar com o diretor quando este não o filma o suficiente, é bater na fotografia quando esta não o ilumina direito, é saber se manter na produção depois que o diretor lhe aponta uma arma. Qualquer oposto é ser uma mera prostituta cinematográfica, interpretando para quem der mais e quem aparentar fazer mais sucesso. E uma prostituta foi o que foi Klaus Kinski por centenas de filmes, porém por um décimo de sua produção, foi uma explosão maior que todas.

    Klaus Kinski marcou sua presença nos filmes do cinema novo alemão com sua parceria com Werner Herzog em Aguirre (1972), Woyzeck (1979), Nosferatu (1979), Fitzcarraldo (1982) e Cobra Verde (1987). E depois por sua própria mão em Paganini (1989). Sua atuação não foi parte dos filmes, foi os filmes em si. Herzog, não importando o quanto competente, só pode atingir o seu ápice graças a Kinski, já que um bom filme precisa de uma boa expressão humana, e Herzog só soube até hoje dirigir forças. Ele como diretor passou a vida a capturar na tela todo o tipo de força: a força da natureza, a força da sociedade, a força da consciência humana. E isto o fez preparado para captar a força da expressão humana encontrada em Kinski, uma força individual que dificilmente outro ator poderia emitir. Como exemplo Christian Bale em Rescue Down, um ator extremamente competente, mas não uma força.

Be Kind Rewind de Michel Gondry

ou Uma ficção é uma ficção que é uma realidade

Be kind rewind não trata unicamente de uma desmistificação do fazer cinematográfico, mas também de um jogo convulso entre mistificação do espectador por si mesmo e desmistificação da realidade como matéria rebobinável.

    Ao começarem a fazer suas próprias versões dos filmes de Hollywood, Jerry e Mike acabam por trazer a interatividade aos espectadores. Estes que já participavam dos filmes a partir de suas próprias interpretações da trama, passam a não só ditarem que filmes passarão pela transformação da dupla, mas também atuam nos mesmos, possibilitando sua realização. O consumidor atinge o ápice de sua ocupação, não só decide que produto sobreviverá, mas também trabalha para mantê-lo, tomando em suas mãos pela primeira vez seu poder de consumo. Assim, o Robocop deixa de ser uma criatura mitológica das telas, com pessoas distantes em uma cidade distante, e passa a ser aquele cara gordo que você vê andando por aí umas três vezes por semana, lutando contra o crime, naquela rua onde você faz as suas compras.

    Os espectadores deixam de ser as crianças ais quais os produtores de um Olimpo distante ditam os gostos, e passam a ser esses produtores. Não só são agora produtores de suas vidas, mas também de seu entretenimento. Como um dos personagens do filme comenta, as novas versões dos filmes são muito mais divertidas. E isso não porque estas deixem de ser em si distantes, já que aquilo ainda não passa de uma ficção, mas porque se tornam uma distância pessoal, participativa. Mas o que é a realidade se não essa distância pessoal?

Sex & Philosophy de Mohsen Makhmalbaf

OK, this is my first review here. I am pretty much writing it, because this was the best movie I saw at the 2005 Rio's Film Festival and since then I have only seen people trash it. This is simply a beautiful poetic film about the definition of love and what it means for much of today's relationships. I have to say that I disagreed with some of it's conclusions, but that didn't at all damaged my enjoyment. What more can I say? Everything is beautifully constructed in the screen: the car with the 40 candles, the empty plane, the stopwatch, the hands touching, the singing with the glasses, the city in the winter with the umbrella, ... All followed by great music and some dancing (witch some critics thought should have been more meaningful, instead of just plan fun). Since I never saw a Makhmalbaf's film before, I can only compare saying that its much like a Godard's, but without his recent bitterness and with actually something to say (or at least with something I care about listening). Finishing, it's about the search for the moments of happiness in life. Definitely a must for people tired of those boring narrative movies that cant seen to stop telling those same old dramatic stories with no originality in the scenes' enrichment. 

(http://www.imdb.com/title/tt0478260/usercomments)

All the Days Before Tomorrow de François Dompierre

I saw this film international opening in the 2006 Rio's Film Festival. And for me it was one of the three best I saw. François Dompierre first film is almost perfect, a story about love and memory. Great pacing, beautiful images and excellent music, which, although completely different in subject, made me remember in some ways in Sofia Copolla's Lost in Translation.

All happens in one night, when Wes, a guy who knows what to remember, but has no action, receives a call from Alison, the girl he remembers, a friend and nothing more. She is in town, is leaving tomorrow and wants to see him. They have this one night to remember their past, all the days before tomorrow, all the days before she leaves again. Two summers ago, they meet, one summer ago, they traveled through the desert. They were happy together, but there was always a feel in the air for something more than just friendship. In his travel through his memory, Wes will be guided by the Doctor, an old man in a monochromatic landscape, who revels to him what he always knew, all the questions he never had the courage to make while awake. He needs time to understand there is no time. He needs time to understand that to finally fly, he needs to take action, to build eternity with Alison. 

(http://www.imdb.com/title/tt0439115/usercomments)

O Caminho da Consciência: A História segundo Hegel

Hegel estabelece que a história é o percurso do conhecer para o saber absoluto, é a formação da consciência filosófica. Sua tese se baseia que na busca para um saber absoluto primeiro tem de se estabelecer qual a relação entre a consciência, o ato de conhecer e o absoluto.
O caminho entre a consciência natural e a filosófica é unicamente marcado pelo ato de conhecer. Toda a ciência da experiência da consciência se baseia neste ato, no que ele é e no que pode oferecer ou enganar. Pois, conhecer é uma faculdade determinada, cuja natureza precisa ser analisada, tanto quanto suas limitações. Para Hegel, o princípio desta analise é a dúvida que é quase um desespero, em oposição a uma dúvida que é só um vacilo contingente de algo dado como verdade. Logo, se temos uma dúvida que nos leva a questionar o que percebemos, há uma separação entre o absoluto e o ato de conhecer. Não colocaríamos em questão aquilo que nos afeta, caso isso fosse diferente. E também não colocaríamos em questão o próprio ato de conhecer, caso também não houvesse uma clara separação entre nós e ele. Mesmo assim, podemos estabelecer o ato de conhecer como verdadeiro, mesmo este não dando caminho direto para o absoluto. Pois presente a dúvida, este não deixa de ser uma verdade do absoluto, mesmo não sendo este. O ato de conhecer, que tanto pode ser um instrumento para contemplar o absoluto, tanto uma passividade para receber o que deste é emitido, é verdadeiro, e mesmo não podendo ainda nos dar uma visão do absoluto em si, pode nos dar verdades. Verdades que não são o absoluto, mas que também podem se encontrar neste. Cria-se uma questão, se só o absoluto pode ser dado como verdadeiro, ou só o verdadeiro pode ser dado como absoluto. A ciência da aparência, a da consciência natural, atua nesta questão, procurando verdades sem a necessidade de um absoluto.

O Evangelho Segundo Immanuel Kant

 O homem nasce, se desenvolve e morre no mundo sensível. No mundo de experiências empíricas, de afetações com os fenômenos que o cercam e de afetações com o próprio fenômeno que é. Um mundo de inclinações, sensibilidades, ditadas pelas leis da natureza, seu instinto imposto, sua determinação que lhe oferece todas as suas necessidades naturais. Entretanto, por causas estranhas, por motivos além da fronteira de sua própria capacidade perceptiva, tem a razão, e nesta tem a capacidade de se determinar como inteligência. Assim, acaba por habitar também um mundo inteligível. Este que é só um conceito que se vê obrigado a tomar para atuar como prática fora das afetações dos fenômenos. Pois, para determinar, por sua intuição, leis objetivas sobre a sua própria natureza, necessita de estar livre da consideração de fatores externos, experiências empíricas.

Buster, Charles e as Mulheres

O sério e o palhaço. Um vê o mundo como é, o outro, tenta ver algo mais. Um nunca sorri e consegue tudo, o outro, sempre sorri e acaba sozinho. Os filmes de Buster Keaton e de Charles Chaplin mostram duas visões de vida opostas em relação com o mundo. O ponto de foco: as mulheres e algo que possa ser chamado de felicidade.

Buster Keaton, com seu personagem de cara fria, sempre aparece em seus filmes, mesmo sob diferentes fantasias, como um homem sem direção, despercebido do mundo, que se move de um lado para o outro, a partir da direção que o vento lhe comanda, ou melhor que as instituições que regem o mundo ao seu redor lhe condicionam: família, estudo, emprego. Um homem que, por fim, só toma rédeas de sua vida quando esta determinação lhe oferece a oportunidade de pertencer a vida de uma bela garota, geralmente alguém que já pertence a sua história, mas que até então nada ele podia fazer para se aproximar devido a alguma condição. Assim, desta forma, indo contra tudo e contra todos, Buster executa as tarefas mais inimagináveis para conquistar seu coração. Faz tudo, sem muito pensar, que um homem normal nem cogitaria, e faz tudo motivado pelo seu desejo, se abstraindo completamente de tudo que não seja ele. E no fim, Buster sempre alcança resultados, é aceito pela garota, e assim com ela, e com sua face ainda imóvel, move-se no mundo das instituições que o determinam.

Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças de Michel Gondry

ou Brilho Eterno de uma Memória sem Pontas

Joel acorda. Acorda para perceber o mundo, pondo em movimento um constante ato de contemplação, que é em si esta própria contemplação do plano de sua representação do mundo ao qual habita, somada a sua ação perante a este. Acorda e começa o seu dia, percebendo as coisas ao seu redor, que são apenas, para si, para sua apreensão destas, imagens que representam as coisas em si. Imagens que são menos que estas próprias coisas, mas que são mais que as representações apreendidas por Joel. Pois ele, na sua percepção consciente, só percebe o que quer, o que está acostumado a perceber. Sua percepção se limita a uma pobreza necessária, não pode captar todos os detalhes das imagens a ele oferecida. Nota o amassado do carro, nota as folhas faltando do caderno, nota específicos, não a imagem completa, sua memória habitual não procura registrar mais que isso, sua percepção, no seu movimento de contemplação, subtrai todo o desnecessário. Assim, seguindo os movimentos de sua memória habitual, repetindo as suas tarefas diárias, se arruma e vai para o trabalho. Porém, na estação, na representação desta apreendida por ele, aflui-lhe, inesperadamente, subindo a partir do seu inconsciente, uma fatia de memória pura, fatia ascendida pela contemplação desta estação, que interagindo com sua percepção em movimento, o faz pegar outro trem, um para a praia.

Blade Runner de Ridley Scott

ou
Como parei de me preocupar
e aprendi que uma Ficção é uma Ficção que é um Documentário


Terra. Los Angeles. Novembro, 2018. Zona do passado, de ruas cheias, sujas, pintadas em néon, dominadas pelos exilados do presente, imigrantes, indigentes, doentes, empilhados entre gigantescos arranha-céus abandonados, vazios.

Que venha o super-homem! Mais forte, mais ágil, com seus olhos reluzentes, filho do homem. Que venha cegar seu pai, Édipo, que dormiu com a própria mãe, a natureza, mas só lhe deu quatro anos de vida, para serem vividos ao máximo, porém a desaparecerem como lágrimas na chuva. Que venha e veja a cidade com seu céu em chamas!

Quando a humanidade foge para o novo oeste, para o novo presente, deixa para trás seus filhos a nadarem na nostalgia de fotos em preto e branco, num passado inexistente, a gritar por um futuro que nunca virá. O super-homem nasce, mas nas mãos do homem, vira um produto, vira seu soldado, seu assassino, seu operário, sua prostituta. “Enjoy... Enjoy Coca-cola!”

Boca de Lixo de Eduardo Coutinho

ou Lixo e Lixo: Qual a diferença?

Boca de Lixo é um documentário do diretor Eduardo Coutinho que busca mostrar a realidade das pessoas que vivem catando lixo num lixão de São Gonçalo. O diretor, sem apresentar julgamentos, mostra o cotidiano dessas pessoas, dia a dia a esperar os caminhões de lixo, geração sob geração, seguindo normalmente a vida.

A primeira questão que se apresenta sobre esse modo de vida, não se dá realmente sobre este em si, mas sim, sobre sua interpretação, tanto pelos que nele se sustentam, tanto pelos exteriores a este. Pois, ideologicamente, os catadores de lixo são considerados como excluídos da sociedade por aqueles que não o são, sobrevivendo de seus restos, não compartilhando dos reais frutos desta sociedade. Quando, na verdade, não o são, sendo membros muito bem ativos desta, seguindo avidamente todos os seus preceitos, a completar um ciclo capitalista de consumo interminável de produtos. Tendo, eles próprios, consciência disso e também da visão deles propagada pelos exteriores à sua condição.

O Homem de Ferro de Jon Favreau


Tony Stark não tem um vizinho tocando funk em uma de suas janelas, outro tocando forró na outra, e o esgoto passando por baixo de seu chão. Não! Nem passa o tempo vendo filmes, assistindo tevê, indo para lugares insólitos fazer coisas para outros, ou escutando outros lhe falando o completo inútil. Não! Ele acorda e faz armas. Ele acorda e expande a sua mente ao horizonte. Tony Stark é dono de seu mundo! Quando não está construindo a realidade ao seu redor, ele sai e a divide com o resto, aproveitando o meio tempo para saborear jovens jornalistas com um bom vinho.

Mas qual é o ponto de construir mísseis, se você não tem a chance de atirá-los? Qual é o ponto de comer pizza, escutando o último cd de Pete Yorn, enquanto escreve um comentário sobre o filme Homem de Ferro? Qual é o ponto? Para Tony Stark e suas armas é uma questão de morte e renascimento. É tirar alegres fotos com jovens soldados, que nunca tiveram a chance de questionar para onde estavam indo, só se perguntar se iriam ou não poder comprar o DVD do filme, no caso de ainda terem visão ao voltarem para casa; e então ser subitamente, no meio de um mar de balas, suas próprias filhas, retirado deste mundo, e arrastado pela poeira do deserto, para ser reinserido no útero. É necessário um grupo genérico de terroristas, de olhos frios, homens maus, não tanto quanto velhas senhoras de igreja, para quebrar seu mundo alegre de vinho e o retornar ao buraco escuro da onde veio para repensar a sua vida. E, assim, com um cientista fracassado como consciência e bando de funcionários revoltados do McDonalds lhe apontando suas próprias criações, ele finalmente vê como tudo o que fez até então afetou as massas impotentes que nunca souberam como ejacular para o horizonte.

Bolinhos de Avelã com Mousse de Chocolate e Baunilha


(Parte integrante do livro Cuca Fodida)

           Gertrude estava apaixonada. Há quatro meses que toda manhã às 9 horas em ponto entrava na loja de bolinhos aquele homem alto e robusto que fazia suas pernas estremecerem e o sangue subir ao seu rosto. Usava um terno e um chapéu cinza, com um lenço vermelho no bolso do sobretudo. Abria sempre a porta da loja com delicadeza, fazendo o sino bater suavemente sobre a sua cabeça como se fosse uma música a anunciar sua chegada, dava exatos 3 passos como um rei até a caixa, a olhava com um olhar fixo, magnético, que a desequilibrava, em seguida dava-lhe com aquela sua voz forte um bom dia e produzia, através daqueles seus lábios firmes, o nome dela - o que a fazia estremecer ainda mais -, por fim, fazia o seu pedido. Inicialmente pedia um bolinho de nozes, mas com o tempo ela começou a sugerir-lhe outros gostos, até chegar ao que o encantou por completo: um bolinho de avelã com mousse de chocolate e baunilha. Depois de comprar, ele lhe dava um sorriso e partia de volta a sua vida encantada, a deixando ali a esperar a sua volta no dia seguinte.  

Seguindo a Rua


À minha frente, então, se encontrava mais um grande salão. Um extenso salão repleto de milhares de cadeiras de concreto, fincadas no chão, organizadas em fileiras, viradas todas para uma mesma direção, oposta ao portão, para um distante e alto palanque de madeira. O teto afastava-se por uma distância incalculável e deste só se viam as chamas de um fogo ardente. Grossas pilastras quadradas cortavam o salão esporadicamente. E, assim, na frente de uma, após forçar minha passagem pela multidão, encontrei uma cadeira livre e me sentei, pois me parecia o mais propício a ser feito. Ali sentado, rodeado de olhares distantes, mais uma vez, não sabia o que fazer. Ficaria parado a observar os arredores, ou sairia em seu encalço? Com a primeira opção, poderia garantir que se por minha área de observação ela passasse, eu poderia avistá-la e rapidamente alcançá-la. Mas se por ali ela não passasse, de nada isso adiantaria. Especialmente, se fosse o caso de ela já ter encontrado um lugar para sentar. Com a segunda opção, poderia sair a procurá-la, tendo a possibilidade de cruzar com ela pelo caminho, caso ela estivesse a andar, ou caso também ela já estivesse sentada. Mas, também havia a possibilidade, caso ela estivesse andando, de que quando por um lugar eu estivesse passando, ela estivesse fazendo o mesmo por outro, por um ao qual eu ainda iria passar, ou ao qual eu já teria passado. Havendo, assim, grandes chances de nunca nos encontrarmos no mesmo lugar. Logo, por haver maior probabilidade de encontro, me decidi pela segunda. Levantei. Porém, antes de começar minha perseguição, achei melhor de alguma forma marcar aquela cadeira em que estava, caso a esta eu precisasse voltar. Assim, deixei minha mochila sobre esta. Mochila a qual acabara de notar que trazia em minhas costas e que estava vazia por nada eu ter a carregar senão aquela própria mochila vazia.

Kafka vai à Floresta (Kafka goes to the Forest)

Berlim, 1924, Kafka e sua amada Dora vão passar um dia tranquilo na floresta. Porém, para o escritor as coisas não são tão simples assim.

(Berlin, 1924, Kafka and his lover Dora go to a forest. But, for the writer, things like that are nerver that simple.)

O Mais Horrível Monstro da Existência

O homem desiste, não mais corre, não mais olha para topos não mais vistos, não mais espera oportunidades a lhe aparecer, não mais sabe o que fazer, e nem mais finge tentar sabê-lo. Deita no chão vazio, sozinho em seu nada, e mais uma vez dorme. Escuridão, folhas púrpuras, som de passos.


Uma floresta, onde há espaço suficiente entre as altas e grossas árvores para andar, correr, cantar e dançar, se apresenta, e nela caminha um monstro. Caminha abaixo de um céu de folhas púrpuras, pisando uma eterna grama laranja, num dia iluminado por um pouco visível sol amarelo. E este monstro não é só mais um simples monstro, como aqueles que se espreitam por todos os cantos, tentando se fingir de criaturas sãs pelo uso de ridículas fantasias que só servem para enganar os desatentos olhos dos cegos e, por sua vez, só aterrorizam mais os dotados da visão. Mas sim, um monstro muito pior, terrivelmente pior. Na verdade, provavelmente este é o mais horrível monstro da existência. Um tão horrível que sua descrição só pode ser feita a partir da variabilidade de sua distorcida mente.

Um Ensaio sobre a Água

1

  
O homem está preso numa plataforma de metal enferrujado no meio de um eterno mar tempestuoso. Um infinito céu de trevas a tudo cobre, água escura a tudo cerca e gigantescas ondas para todos os lados batem. Decadente ferro corroído, que pouco ainda pode suportar, sob seus pés, range. Seus olhos, vazios ao olharem para a imensidão eterna, quase cegos por nada verem. Sua mente, a indagar o quanto mais o metal irá agüentar, o quanto mais suas pernas irão lhe suportar, o quanto mais irá ter de esperar a óbvia queda. O nada impera sob o tudo, mas a água do mar se encontra permanentemente a lutar, sempre a lutar, nunca a parar, nunca estática, mas também nunca a lhe oferecer um sólido chão para caminhar, só fazendo por afogar, só fazendo por tragar para a imensidão escura e confusa que o tudo é. A chuva, a bater em seu rosto, desce do céu com fortes gotas de dor, já que não pode mais descer através daquilo que não consegue mais ver. Um singelo púrpura se revela por entre as densas nuvens escuras, a oferecer esperança daquilo que nunca parece se encontrar. Um frio se compõe com sua existência.

Durante a Madrugada Roubarei tua Cova e Comentarei o teu Esqueleto



Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver é o segundo episódio da vida do personagem Zé do Caixão de José Mojica Marins. Começando com À Meia Noite Levarei sua Alma de 1964, continuando com este filme de 1967 e ainda a ser terminada segundo o autor. Tendo o personagem em si aparecido também apresentando programas de tv e rádio, e em outros filmes de Mojica, porém, nestes sempre como ficção ou alucinação e não como realidade.

(a partir daqui spoilers dos filmes)

Na Natureza Selvagem de Sean Penn

ou Na Natureza Humana

Liberdade. Liberdade é o que todos buscamos. Todos que atingiram pelo menos um certo aspecto de auto-consciência. Liberdade do putrefante organismo a que chamamos de sociedade. Sociedade que não criamos, mas a qual somos totalmente responsáveis, pois nada mais somos que o seu corpo. Àqueles que conseguiram abrir os próprios olhos, sobra a busca, a busca por sonhos, a busca por desejos. Sonhos nossos, não deles. Desejos nossos, não dela.

Into the Wild é um filme sobre esta busca, dirigido por Sean Penn, baseado no livro de Jon Krakauer, seguindo a vida de Christopher McCandless. Christopher foi um homem que tinha todos os caminhos que a sociedade oferece ao seu alcance, todos os inúteis caminhos que tantos cegos com um sorriso triste se regojizam a seguir, e que tantos outros literalmente lutam para ter, como se fosse a única opção. E tendo-os em suas mãos, ele disse não. Não a uma fórmula pré-determinada que nada poderia lhe dizer. Não a uma fórmula que milhares tomam como realidade, mas que não passa de uma perversão habitada por monstros.  
Christopher disse não e embarcou numa jornada a única coisa na qual conseguia enxergar uma verdadeira autenticidade: a natureza. A natureza, um belo organismo que não devora, ao contrário, flui, flui em um eterno equilíbrio. Um equilíbrio que nunca parece ser encontrado na pirâmide de inutilidade da sociedade. Pelo caminho, porém, ele foi encontrando outras autenticidades: outros como ele que disseram não, outros que até aceitaram os caminhos a eles impostos, mas encontram formas de distorcê-los a seu benefício, e outros que até foram tomados pela praga, mas que entretanto não a deixaram consumi-los, nem se fizeram de corpos para sua propagação.

Dois Extremo – Embrafilmes v.s. MGM


Artes e Manhas da Embrafilmes é um livro de Tunico Amâncio sobre o nascimento e morte da Embrafilmes, empresa estatal, financiadora, co-produtora e distribuidora de filmes brasileiros durante as décadas de 1970 e 1980. Filme é um livro de Lillian Ross sobre a produção do filme A Glória de um Covarde dirigido por John Huston e produzido pela Metro-Goldwyn-Mayer em 1951. Ambos cumprem suas funções informativas, apesar do primeiro ser técnico demais e se negar a qualquer tipo de literariedade, e o segundo, descritivo demais do absolutamente inútil. Ambos, por fim, são exemplos da produção de filmes de seus países de origem e comparando-os pode se ter uma visão parcial de dois extremos da mesma matéria: a produção cinematográfica.

Uma Noite Americana de François Truffaut

ou
Uma Guerra Americana

A Noite Americana é um filme do diretor François Truffaut sobre o processo de criação de um filme. Mais especificadamente, a criação de um filme comercial; um filme hollywoodiano, mesmo não oficialmente o sendo; um típico drama barato de alto orçamento com estrelas internacionais.
O filme busca apresentar os vários problemas que ocorrem durante uma filmagem, especialmente o maior de todos, o constante melodrama das estrelas, que se mostram pessoalmente cem vezes piores que os próprios personagens dramáticos ao qual interpretam.

O nome “noite americana” é uma designação técnica para a filmagem de uma noite falsa durante o dia. Uma designação que em si sintetiza o filme, este que busca mostrar toda a falsidade do chamado glamour da produção do cinema. Já que, o que é sempre realmente visto, é o produto final, uma iluminada noite de estréia, com as estrelas a desfilar, a mídia a fotografar e os fãs a pular. Todo glamour é uma noite criada de dia. E o filme tenta em si mostrar essa criação, com o seu processo de declínio do puramente técnico, o idealizado, com seu caos controlado, para o puramente dramático, o real, com seus caos completamente liberto. No filme, tudo começa com a ordem e caminha para o caos. Caos que são mais as estrelas que o próprio filme, que são mais o caráter comercial que a própria arte.

Apocalypse de um Cineasta de Bahr e Hickenlooper

comparado com Brilhante de Conceição Senna

ou Deuses, homens e as mulheres que os documentam

Apocalypse de um Cineasta é um documentário filmado por Eleanor Coppola, e depois montado pela equipe Fax Bahr e George Hickenlooper, sobre a produção do filme Apocalypse Now por seu marido Francis Ford Coppola.
Brilhante é um documentário dirigido por Conceição Senna, sobre a produção do filme Diamante Bruto por seu marido Orlando Senna e sobre a cidade de Lençóis e sua população.

Apocalypse Now e Diamante Bruto. Contrapondo ambos, somos apresentados a dois opostos: em conteúdo, um filme insano, feito por uma mente insana, em oposto a um filme comum, feito por uma mente comum; e em produção, um filme capitalista, feito pelo dinheiro, pai e filho da loucura, em oposto a um filme socialista, feito pelo povo, pai e filho do comum.

Caché de Michael Haneke

ou George e Majid: Uma Relação do Século XX


Caché
é um filme do diretor Michael Haneke. Um suspense, mas não necessariamente um suspense. Pois, não é o mistério que move a história, mas a reação dos personagens a ele. Uma narração, mas não necessariamente uma narração. Pois, não é a história que move o filme, mas a câmara que tanto segue os personagens na sua narrativa, tanto se abstém e assume outras perspectivas, abandonando-os a distância, libertando o significado. Uma crítica social, mas não necessariamente uma crítica social. Pois, não são as interações entre os personagens que movem a câmara, mas uma manipulação com o espectador que se sustenta sobre os próprios preconceitos deste. Caché significa escondido e seu significado pode estar muito bem escondido. Ou não, talvez só a percepção de seus espectadores seja a que esteja escondida. Ou quem sabe, talvez sejam os próprios espectadores quem estão escondidos e nem disto saibam.

Filipe, O Garoto Filosófico 02

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Filipe, o Garoto Filosófico 01

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Japón de Carlos Reygadas e o Cinema Mexicano

ou Japão Mexicano

Tarkovsky pela lenta evolução das imagens mostra em seus filmes o homem progredindo pelos mistérios de sua própria mente. Carlos Reygadas, por sua vez, usa a mesma técnica de construção de imagem para fazer o exato oposto, mostrar a regressão do homem em sua própria mente até o absoluto nada.
Tanto em Japón, como em Batalha no Céu, seu filme subseqüente, Reygadas busca mostrar ao meio da beleza do mundo, o vazio do homem, o vazio da vida, demonstrando o quanto são baratas as ligações humanas.

Em Japón, temos um homem, sem passado, sem direção, sem nome, em busca de um lugar para morrer, um lugar perfeito para morrer: sua própria mente. Ele vem já aleijado, se apoiando numa bengala, embarcando numa viagem ao mais primitivo da mente humana. Pede carona e o levam até o início do caminho, um lugar onde os últimos porcos já estão sendo esquartejados. O caminho é fácil, é só descer, sempre seguir em frente, descendo para alcançá-lo. Ele o faz. Chega ao povoado. Chega a uma mente coletiva, passiva, que persiste no meio da paisagem, da grandeza do mundo. Aceitam-no, pois não há como negá-lo, pois são parte do que é. Porém, o único lugar em que pode habitar entre eles, é numa subida, numa subida para a ascensão. Na subida, ele conhece a Ascensão, como todos mais uma partícula passiva da coletividade da mente primitiva.
Na calmaria de sua mente primitiva, o homem sem nome começa a se despir de sua humanidade. Pinta, mas as imagens acabam borradas. Deixa assim a tinta ser tomada por um rio de crianças, deixa a imagem em si seguir por esse rio. O que antes ele carregava com um objetivo, lá não é mais necessário. Não há nada a pintar, só o mundo a observar. Porém, seu mundo ainda se divide entre o vento a bater, e a música clássica a transbordar em seus ouvidos. Ele se isola cada vez mais, perdido em fantasias, até chegar o momento certo de sua morte. E, assim, ele sobe a montanha para morrer, chega ao precipício e morre. Morre como um cavalo estripado, estirado no chão, banhado pela chuva, a luz da ascensão lhe tomando.

O sapato no Bush e a velha a fiar



O primiero sucesso pop da produtora Epicentro Nervoso.
ante conosco!

Estava a velha em seu lugar
Veio o Bush lhe fazer mal
O Bush na velha e a velha a fiar

Estava o Bush em seu lugar
Veio o sapato lhe fazer mal
O sapato no Bush, o Bush na velha e a velha a fiar

Estava o sapato em seu lugar
Veio o homem lhe fazer mal
O homem no sapato, o sapato no Bush, o Bush na velha e a velha a fiar

Estava o homem em seu lugar
Veio a economia lhe fazer mal
A economia no homem, o homem no sapato, o sapato no Bush, o Bush na velha e a velha a fiar

Estava a economia em seu lugar
Veio o terrorista lhe fazer mal
O terrorista na economia, a economia no homem, o homem no sapato, o sapato no Bush, o Bush na velha e a velha a fiar

Estava o terrorista em seu lugar
Veio a mulher lhe fazer mal
A mulher no terrorista, o terrorista na economia, a economia no homem, o homem no sapato, o sapato no Bush, o Bush na velha e a velha a fiar

Estava a mulher em seu lugar
Veio o macaco lhe fazer mal
O macaco na mulher, a mulher no terrorista, o terrorista na economia, a economia no homem, o homem no sapato, o sapato no Bush, o Bush na velha e a velha a fiar

Estava o macaco em seu lugar
Veio a morte lhe fazer mal
A morte no macaco, O macaco na mulher, a mulher no terrorista, o terrorista na economia, a economia no homem, o homem no sapato, o sapato no Bush, o Bush na velha e a velha a fiar

A Volta dos Mortos-Vivos de Dan O’Bannon

ou A revolução dos mortos não será televisionada


A Volta dos Mortos Vivos
é um filme de Dan O’Bannon, sobre a revolução dos mortos, seres putrefatos que não podem mais ser abatidos com um tiro no cabeça, que correm, desenfreadamente, sem piedade atrás do que querem e que podem muito bem gruir as suas reivindicações, além de materializá-las, ao enfiar seus dentes no cérebro do primeiro vivo que aparecer pela frente. Uma revolução para transformar todos em seres caindo aos pedaços iguais a eles.

Antes porém de se aprofundar por seu filme, vamos conhecer melhor Dan O’Bannon, um personagem que se encontra nas bases do cinema de horror e de ficção cientifica modernas. Seu primeiro trabalho foi Dark Star em 1970, um filme sobre lixeiros do espaço, a explodir com bombas atômicas, planetas que impedem o desenvolvimento de outros planetas. Seu roteiro, dirigido por John Carpenter, o mesmo que depois daria nascimento aos filmes de serial killer moderno com Halloween. Depois disso faria parte da equipe de computação gráfica de Star Wars. Na mesma época, também publicaria com o desenhista francês Moebius, a história em quadrinhos O Longo Amanhã, a qual foi a base de estilo futuristico visto em Blade Runner. Nos anos 80, além de dirigir A Volta dos Mortos Vivos, deixou sua marca em várias outras produções, como o filme Alien de Ridley Scott, seu roteiro. Nos anos 90, também foi responsável pelo roteiro de outro grande sucesso, Total Recall de Paul Verhoeven. Além de dirigir seu segundo e último filme, Renascido das Trevas, baseado no Estranho Caso de Dexter Ward de H.P. Lovecraft.

Bachelard subindo as escadas


O erro na história da ciência é a teoria científica, questões e respostas, que não mais pode ser aceita no processo de constante revisão da razão que a desenvolveu. É o impedimento, porém também o necessário. Pois, ao reavaliar-se teorizações sobre, ou para, percepções e experiências empíricas, pode-se superá-las, corrigindo também o próprio processo da razão, impedindo assim repetências, um perder-se em labirintos.

A verdade sempre é, não se constrói, só sua compreensão se encontra em constante movimento. A razão se constrói por erros e acertos, erros que na simplicidade foram acertos, e acertos que na expansão poderão ser erros. Aquilo que é dado como certo e inquestionável por um espírito velho, é o degrau na escada para a verdade em que se projeta o erro como fim, é o que se faz fatalmente de muro para qualquer avanço. Um degrau a ser derrubado pelo espírito jovem, que ao superá-lo, irá construir novos degraus onde esse antes se encontrava, novos com uma estrutura mais capacitada a subir que a dos anteriores, mas que, por fim, no envelhecimento desse espírito, pararão e se farão de muros. Os subseqüentes muros que se apresentam no caminho para a verdade, crescem em complexidade no constante movimento de re-interpretação do que se acreditava grande, crescem por destruir seus anteriores, ou por reduzi-los a meros degraus, no processo forçado pela visão de algo ainda maior, de mais caminho a avançar. Pois, a total compreensão da verdade é como um objeto distante, escondido no topo de uma alta montanha. Uma montanha cujos caminhos o homem não foi habilitado naturalmente a seguir, mas que mesmo assim, pelo desenvolvimento de sua razão, tenta alcançar, construindo a escada que é a sua ciência. Escada ainda imperfeita, em constante movimento de reestruturação, pelo constante movimento de reformulação da razão que lhe dá vida.

A Queda

Um homem cai por uma imensidão vazia, olhando o nada que o cerca. Uma garota caindo na direção oposta, agarra-o e senta-se em seus ombros, cobrindo com suas mãos os olhos dele.

- Quem senta em meus ombros e cobre os meus olhos? – pergunta o homem.

- Ninguém – responde a garota.

- Ninguém me acompanha nesta constante queda. Imagino quando haverá alguém para fazê-lo – diz o homem, pensativo.

- Sim, ninguém acompanha-o nesta terrível queda. Sua horrível e interminável queda para todas as direções verticais e horizontais do vazio eterno. Vazio frio e absoluto! – exclama a garota, retirando as mãos dos olhos dele, estes que se fecham com essa ação, e abrindo-as no ar de modo trágico. – Ó, o horror, o horror! – exclama com um profundo pesar.

- Sim, é ruim – diz o homem com certa indiferença, mantendo seus olhos fechados.

- Então, por que está caindo desta vez? – pergunta a garota, voltando com suas mãos para os olhos dele.

História a falar, a contar, a ninar

Para você, não foi escrita! Para você, não foi inventada! Para você, não foi falseada! Pare de perder tempo contestando o que foi feito para outros. Pare de esperar igualdade daqueles que não são iguais. Pare de opinar sobre a opinião daqueles que como você a podem formular por si próprios, só porque aqueles que não a podem são tão suscetíveis a qualquer uma que lhes taquem na cara. A história não foi feita para ser conhecida. A história foi feita para ser escrita. Informação, desinformação, verdade. “Devia ser mais fácil!” Do fogo, veio. Na água, se compôs. Na terra, avançou. Ao céu, se formou. É mitologia a deslumbrar, é cenário a brincar, é história a ninar. Se algo for clamado pelo nome de verdade, saiba que é mentira. Se algo for clamado pelo nome de fato, saiba que é opinião. Se algo for clamado pelo nome de história, saiba que é mito. “Devia ser mais fácil!” Concreto, absurdo, sincero. A mão só pode tocar o que realmente pode ver. O olho só pode ver o que realmente pode questionar. A questão só pode ser feita por aquele que brinca no jardim. Outros não podem colocar a mão no fogo por você. Outros não podem naufragar no oceano por você. Outros não podem se sujar de lama por você. Salvação não virá daqueles que o fizerem, e se estes a oferecerem, saiba que é para seres pedra a construir, e nada mais. “Devia ser mais fácil!” Aqueles que batem suas asas já foram embora, a ninguém abandonaram, pois em ninguém chegaram a se importar, e deles nada nunca saberás. Aqueles que batem suas asas, únicos a uma verdadeira história pertencer. Aqueles que batem suas asas, únicos capazes de a uma escrever. Única, própria, nunca compartilhada. Todo o resto é para os que não têm asas, para os que não têm pernas, para os sem passado, sem presente e sem futuro. Múltiplos, diferenciados, perdedores, predadores. A história dita única pelo cego é escrita para perdedores; toda informação dita única pelo cego é determinada para perdedores; qualquer pensamento real só pode predominar após ser feito de mitologia para perdedores. Àqueles que andam sobre a terra, os perdedores são a lei. Àqueles que têm pernas e querem voar, aos perdedores tem de tocar. Àqueles que querem a lei, a dos perdedores tem de subjugar, para a estes enfim abandonar. Perdedores a predar a perdição. Informação, desinformação, jogo. No jardim deita a inevitável falta de conclusão, na brincadeira deita todo o contraste de tudo que pode ser sabendo muito bem que não é, no desfrutar deita a capacidade de poder brincar o quanto quiser com o quanto quiser. Mito, na sombra, a tocar. História, na areia, a se misturar. Conto, no sol, a determinar. A mão, pelo jardim, avança. Sabendo que é mito, cria. Sabendo que se encontra na sombra, dá sol. Sabendo de seus próprios movimentos, escreve. E o fogo se fez, se espalhou e tomou. E a água cobriu, misturou e ejaculou. E a terra confrontou, esmagou e obrigou. E tudo foi escrito. Foi escrito, pois o que realmente foi, pouco interessa!

Jeremias, O Garoto da Floresta 01

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Boggart Bugiganga e a Dama Escandalosa de Tokyo

Boggart Bugiganga relembra o amor que marcou a sua vida.

Os Fantasmas


O homem jogado no chão, levanta-se. Mais uma vez encontra-se sozinho e sem direção, porém sem queda – até essa parece ter deixado de lhe importar. Tragado pelo estático, dá um grito, um grito no vazio para o nada. Uma pequena garota com ávidos olhos aparece e lhe olha seriamente. Ele a olha de volta e fica a esperar que ela fale alguma coisa. Ela nada fala.

- Azuis, lindos olhos azuis, por que me olham? Por que me perfuram?

Ela nada responde.

- Vejo tanto nesses olhos, tanto que quero ver, tanto que raramente vejo! Quero tanto me perder neles, mas há tanta seriedade. Por que há de haver tanta seriedade nesses olhos que a mim neste momento se dirigem? Por quê?

Ela nada responde.

- Eles já foram outros, não? Esses dois profundos oceanos cristalinos já me olharam de uma forma diferente, já correram atrás de mim com a chama que se recusa a se apagar até na mais pura transparente água, no mais puro azul. Dois magníficos brilhantes olhos que já degustaram minha essência! Mas, por que se cansaram? Por que desistiram? Fui eu quem desisti? Por favor, só uma palavra é tudo que peço, só uma e poderei descansar. Só um porquê!

Ela nada responde.

O urso, a escadaria e eu vou lá saber o que mais

Primeira Estação

O urso está a subir uma escadaria de madeira escura. Sobe, sobe, sobe, um infinito. Infinito raso e falho que se faz finito com o tempo. A completa escuridão o cerca com seu inebriante mistério e sua presença assustadora. Tão inebriante e assustadora que o urso pula e cai. Cai, cai, cai, uma imensidão. Não um infinito, porque ele cai para algum lugar. Algum lugar que não é nenhum lugar, mas não vamos falar disso agora. Cai para o laranja. Um sublime laranja que tudo toma, que tudo é. Um laranja que vibra com o espaço, fazendo-se em ondas, a aprofundar a existência tridimensionalmente. O urso está em um céu alaranjado de conforto, deslizando para baixo, eternamente, finitamente, calmamente, a chegar aos girassóis. Nadando em um mar de gigantescos girassóis que tudo são, pois tudo escondem. Deitado sobre todos, deitado sobre um, a olhar o céu que tapa a escuridão e esconde seus olhos. Não, não. Não os olhos dele, mas sim os olhos dela. Sim, dela. O urso só pensa nela. E pensando nela, arranca as pétalas do girassol, a perguntar quando novamente a verá. E quando um nunca se apresenta, só há mais uma vez espaço vazio a cair. “Eu te amo” “Eu te amo” “Eu te amo” “Onde estás?” Não, o urso não fala, mas de nada isso importa para que as frases se façam e que algumas dessas, só uma na verdade, pelo menos até agora, perguntas sejam. “Onde estás?” “Onde estás?” Mas não é ao urso a isso referente, é a escada, é a escuridão, é ao laranja, é ao conforto do deslizar no céu alaranjado, é aos girassóis que escondem. “Eu te amo” Não é a perda. É muito pior. É ao não conhecimento. É ao futuro não tido, ao presente não visto, ao passado repetido. Repetitivo, a repetir a repetição do vazio. Vazio, vazio, vazio, vazio. E o nada? Nada, nada, nada, nada. Cansei desses dois. Mas os miseráveis não estão a bater a minha porta? Não, pois já estão dentro, a acariciar a cabeça do urso, que deveria estar rosnado para afastá-los. Miseráveis, miserável. Oi! Tchau! Oi! Tchau! Oi! Tchau! Oi! Tchau! “Quem é ela?” Que se subam os degraus da escada para saber. Subimos então. O primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto, o quinto, o sexto, cansei de falar mas continuo subindo. Não me acompanhe, acompanhe o urso que cai do girassol. Maldito laranja que está no céu e não na terra. “Já te disse que te amo!” “Oi.” “Onde estás?” Degraus, degraus, degraus. Cada um, cada vez maior; cada passo, cada vez mais alto; cada esforço, cada vez mais exaustivo; cada tropeço, cada vez mais sentido. “Não a vejo!” A água. Sim, a água. Quero nadar e não a degraus subir. Quero o laranja e nele ficar e não deslizar. “Quero você!” Ele a quer. Quero querer. Quero viver. E o urso onde ficou? O urso deslizou de volta para o início dos degraus. Este urso desorientado, maior do que todos, a rosnar sem sentido para todos os lados, a se esfregar na árvore, a caçar os peixes despercebidos que sobem o rio. Quero rosnar, quero me esfregar, quero caçar, mas desorientado não quero mais estar. Cansei da confusão. “Não a conheci, não é óbvio?” “Por que não a conheci?” “Por que a seus olhos não contemplei?” “E a sua boca?” “E a sua boca?” Não, na sua pele não nadou, nos seus olhos não trafegou, na sua boca não se afogou. “Arte?” Não existe arte. Não se iludam, isto não é arte. Nunca foi, nunca é, nunca será. “Se há arte, ela é arte!” Todo resto é piada. O urso que fique a rosnar. Ele ama ela. Ele não é o urso. Ele é a escada. “Não, eu não sou!” Sim, você é! “Pare!” Não paro! “Pare!” Não paro, porque sou eu, não entendes? “É você?” Talvez. “Oi” Tchau.

Sentenciado, executado, pegue-me se for capaz

“Alguém devia ter caluniado a Josef K., pois sem que ele tivesse feito qualquer mal foi detido certa manhã.”
Franz Kafka

O culpado acorda uma manhã. Grande, falsa, interrogante. Nascido em um mundo ao qual não criou. Responsabilidade pela vida a qual não tem. Condenado por uma mão a qual não vê. Quer liberdade? Mentira, mentira, mentira. Acorda para parar, acorda para cair, acorda para seguir. Acorda a pouco fazer, a pouco responder, a muito culpar e a tudo aceitar. Culpado sinceramente! Estás aqui, pois aqui decidiu se encontrar? Ou estás aqui, pois outro decidiu que aqui devias decidir se encontrar? Quer liberdade? Pronto a luta estejas então, pronto ao avanço estejas pois não, pronto a decisão estejas é claro! “Sim! Aponte-me o culpado e contra ele lutarei!” Pois o aponto, e como se sentes? “Enganado! Aponte-me a outro, por favor!” Só há um. Só há um e enganado não pode ser, só enganado pode se fazer. Nascido em um mundo ao qual criou. Responsável pela vida que tem. Condenado pela mão a qual não quer enxergar. “Mas ninguém me deu as respostas!” Pois ninguém formulou as perguntas! Mais fácil o papel de servo que o de senhor. Mais fácil obedecer que tomar decisões. Mais fácil se dizer livre quando outro definiu esta liberdade. O culpado morre nas portas da lei. Grande, falsa, exclamante. Tenta sair, não entrar. Tenta fugir, não encontrar. Tenta se entregar, não tomar. Verdade, verdade, verdade. O guarda olha com vergonha aquele que quer fugir. O culpado nem decisão quer tomar sobre sua própria deserção. A lei se aborta, esperava ser constituída, não renegada por outra. “Mas tomo decisões!” Claro, claro, imagina! Pois não dormes como te deitam, dormes como agüentas. Pois não comes como te enchem, comes o que te oferecem. Pois não respiras como te intoxicam, respiras como necessitas àquilo que te mandam fazer. Pois não procrias como te dizem, mas como fazem questão de não te dizer, afim de resultar em outros culpados iguais a ti. Pois não compreendes como te mandam, compreendes o necessário a dissertes igual aos que não te contam a verdade. Imagina, culpado não és! “Exatamente!” Imagina, és livre! Livre como a multidão a multiplicar-se. Livre como a multiplicação a diferenciar-se. Livre como a diferenciação a aniquilar-se. Livre como um pássaro que fugiu para dentro, a sua própria ilha habitar. Pássaro gordo, cujas asas perderam a capacidade de voar. Nunca animal tão gordo e relaxado aparentou ser tão magro e miserável. Um miserável a morrer fugindo da decisão de constituir a sua própria lei, a implorar ao guarda da sua própria dignidade que lhe deixe sair, desesperado a entregar toda a responsabilidade a qualquer outro que não seja si mesmo.

Sangue, Pipoca e Amor

Desde os tempos em que nos encontrávamos a comer insetos em cima de árvores, ou quanto fomos para os lagos tentar ser peixes, e por fim quando acabamos a correr desesperadamente pelos campos pintados de sangue a exterminar da face da terra qualquer coisa que aparentasse ser uma ameaça, o homem para atingir seu potencial necessitou de rituais imagéticos. Talvez ainda não tivéssemos desenvolvido a capacidade de reproduzir imagens em nossa cabeça, talvez só um ou outro indivíduo o tivesse, e o resto devesse ser domesticado dessa forma, mas a reprodução das imagens em movimento sempre foi necessária. Se você quisesse matar um grande animal, ou atravessar um rio infinito cheio de mistérios, você não o faria sem antes ter experienciado o evento através de imagens numa caverna, ou na areia da praia.

Com o tempo, muito mais potencial foi encontrado nesse mecanismo. Templos, igrejas, o que hoje conhecemos meramente como instrumentos de mentes ilusórias para a adoração de deuses falsos, foram um dia muito mais: eram máquinas. Máquinas a serem usadas pelos melhores indivíduos da sociedade para alcançar em suas mentes, através de símbolos, imagens em seqüências a brilharem com luzes artificiais no meio de arquiteturas grandiosas, lugares, idéias, que nunca poderiam tocar em seu cotidiano entre os homens comuns numa existência abstrata a fingir-se de concreta.