(Parte integrante do livro Cuca Fodida)
Gertrude estava
apaixonada. Há quatro meses que toda manhã às 9 horas em ponto entrava na loja
de bolinhos aquele homem alto e robusto que fazia suas pernas estremecerem e o
sangue subir ao seu rosto. Usava um terno e um chapéu cinza, com um lenço
vermelho no bolso do sobretudo. Abria sempre a porta da loja com delicadeza, fazendo
o sino bater suavemente sobre a sua cabeça como se fosse uma música a anunciar
sua chegada, dava exatos 3 passos como um rei até a caixa, a olhava com um
olhar fixo, magnético, que a desequilibrava, em seguida dava-lhe com aquela sua
voz forte um bom dia e produzia, através daqueles seus lábios firmes, o nome
dela - o que a fazia estremecer ainda mais -, por fim, fazia o seu pedido.
Inicialmente pedia um bolinho de nozes, mas com o tempo ela começou a
sugerir-lhe outros gostos, até chegar ao que o encantou por completo: um
bolinho de avelã com mousse de chocolate e baunilha. Depois de comprar, ele lhe
dava um sorriso e partia de volta a sua vida encantada, a deixando ali a
esperar a sua volta no dia seguinte.
Gertrude era uma
mulher sozinha com uns 35 anos de vida. Vivera com a mãe até a morte desta há
apenas uns 4 anos. Desde então sobrevivera trabalhando sozinha como atendente
naquela loja de bolinhos. Afonso, o dono do lugar, era proprietário de várias
na cidade. Rico, porém simples, deixava ela lidar com todos os aspectos
referentes a administração daquela loja e só aparecia todas as manhãs para
entregar as novas remessas de bolinhos.
Gertrude se
apaixonara por aquele desconhecido homem desde o primeiro momento que o vira
entrando na loja. Pelo menos, era isso o que se dizia no presente momento, se
esquecendo que só o realmente distinguira dos outros clientes no momento em que
este um dia comentou sobre seu vestido. Era um vestido branco com flores vermelhas
e ele notara o quanto esse ficava bem nela. Desde então Gertrude não aparecera
mais na loja com outro estilo de vestido senão aquele. Comprara vários com
flores de todos os tipos de cores e vivia a espera de um novo comentário, que
nunca foi feito.
No início, ela não
esperava que algum dia seu amor fosse compartilhado por ele. Não podia imaginar
como um homem como aquele pudesse se apaixonar por uma pobre mulher como ela,
como a sua união com ele pudesse ir além do que ela imaginava toda noite ao se tocar
em sua cama. Porém, tudo mudou quando ele aceitou com satisfação aquele bolinho
de avelã com mousse de chocolate e baunilha. Pois aquele não era um bolinho
qualquer, era um bolinho especial. Ele nunca saberia que nas remessas do senhor
Afonso não havia aquele tipo de bolinho. Era ela quem o fazia toda manhã, só
para ele. Na verdade, fazia dois. Um para ele e um para ela. O seu, ela comia
depois do almoço, a fim de se sentir como se estivesse almoçando junto dele.
Mesmo assim, o dele ainda era único, pois tinha um ingrediente especial: todo o
prazer dela. Toda noite após se tocar, ela recolhia todo o prazer que jorrava
por entre as suas pernas e o misturava na massa do bolinho. Por isso é que teve
certeza, quando ele comeu com tanto prazer o primeiro bolinho que fez, que os
dois eram feitos um para o outro, já que mesmo ele ainda não sabendo, ambos
dividiam o seu grande amor todos os dias.
Sua relação, porém,
não era perfeita, já que além de ela ainda não saber o seu nome, ele nem todos
os dias lá se apresentava na loja. Havia vezes que sumia por um dia, e só isso
já era necessário para que Gertrude se despedaçasse por inteiro. Ela primeiro
não aceitava, ficava olhando fixo para a porta da loja, se repetindo até a hora
de fechar que ele só estava atrasado. Depois quando voltava para casa, caia na
cama a chorar, imaginando que ele nunca mais voltaria. Ela se culpava, se dizia
que não fizera um bolinho com prazer o suficiente e por isso ele não mais
queria comer ali. Depois, era tomada por uma ansiedade e por uma expectativa de
sua volta, se prometendo fazer um bolinho com todo o prazer que conseguisse
produzir, para que quando ele voltasse, nunca mais quisesse a deixar. Ele
voltava, e ela se acalmava. Porém, quando isso se repetia, ou pior, quando ele
sumia por vários dias consecutivos, ela perdia o sentido da sua vida, não
conseguia dormir, seu estômago doía durante todo o percurso do dia, não comia e
ao chegar em casa, se jogava na cama a só gritar e chorar. Mas sempre ele
voltava e ela sempre se apaziguava.
Tudo seguia igual
até o dia que do nada ele puxou uma conversa, perguntou o que ela gostava, o
que ela fazia além do trabalho. Ela, desorientada pela surpresa, com seu
coração disparado, lhe contou tudo que a sua mente borbulhante pôde pensar no
momento. Sobre sua mãe, de como vivia sozinha, do que fazia quando não estava
nele pensando. Por fim, como um sonho, ele a convidou para sair, lhe prometeu
voltar após seu expediente para buscá-la e lhe disse o que ela mais queria
saber: era Carlos - este era seu nome. Após o sino da porta bater com sua
partida, Gertrude começou a pular de felicidade, seu coração estava em chamas,
se sentia com ele completo, e um grande sorriso se estamparia em seu rosto pelo
resto do dia. Gertrude e Carlos, finalmente os dois juntos e tudo começaria
naquela noite, era isso que não saía de sua mente.
Carlos se
apaixonara por Gertrude desde o primeiro momento que a viu, ou melhor desde o
dia em específico que suas mãos roçaram uma na outra, quando ela lhe entregara
um bolinho. Sentira uma conexão ao se tocarem, um choque entre os dois, uma
ligação além do tempo. Desde então, o que antes era só uma parada a esmo, tornara-se
rotina, fazia questão de ir aquela loja, todos os dias às 9 horas da manhã, rever
aquela sua musa secreta: ah... Gertrude - como estava escrito na pequena placa
acima de seu peito direito. Isso quando não passava também o resto do dia
imaginando sobre detalhes de sua vida além do trabalho. Ou imaginava o quanto
de gostos não teriam em comum, e o quanto ela não ficaria maravilhada com isso,
assim que descobrisse. Parou também de se tocar pensando nela. Quando antes ela
era só mais uma atendente num dos lugares que parava durante o dia, tinha a
usado, como usava as muitas outras que passavam pelo seu dia, como inspiração
para seus entretenimentos noturnos. Porém, agora que sabia que ela era o amor
de sua vida, não podia mais fazer isso, a tirara do repertório.
Querendo se
apresentar da forma mais elegante para ela, colocava o melhor terno de seu
defunto avô, - na verdade, o único - com chapéu e até um lenço de seda vermelho
no bolso do sobretudo, e ia ao seu encontro. Porém, fora o bom dia, e as poucas
palavras necessárias para lhe pedir um bolinho e as outras para lhe fazer o
pagamento, não tinha coragem de falar mais nada. Demandou muito esforço e
planejamento para que um dia elogiasse o seu vestido. Sua avó sempre dizia que
o melhor era elogiar o que uma mulher estava vestindo, mostrar uma apreciação
por seu esforço, e não só sua aparência. Gertrude aparentou ficar toda animada
com esse seu elogio, e assim Carlos pode sentir que seu relacionamento estava
evoluindo. Até sua avó sabia disso, quando saia todo arrumado do porão em que
vivia e passava por ela na sala, ela sorria e lhe dizia: “Já vai de novo
visitar a sua namoradinha, não?”.
Gertrude até começou
um dia a insistir que ele experimentasse novos tipos de bolinho, obviamente
querendo agradá-lo com o que considerava de melhor na loja. Foi assim que
passou a sempre comprar aquele em que ela parecia estar mais entusiasmada em
lhe oferecer, o bolinho de avelã com mousse de chocolate e baunilha. O gosto era
horrível, mas ela ficava tão feliz ao falar dele, de como tinha uma receita
especial, que não podia recusar. Até mesmo, quando o levava para casa, sentia a
necessidade de comê-los, pois se sentia a traindo se não o fizesse.
Porém, nem tudo
eram maravilhas, quanto mais se desenvolvia o seu relacionamento com ela, mais
antecipação crescia na mente de Carlos, e ele ficava com medo de tudo ser só
uma mera ilusão de sua cabeça, entrava em paranoia a ponto de passar mal, de
sentir um grande vazio em seu estômago. Paranoia que o levava a desenvolver um
gigantesco ciúme dela, se um dia chegava perto da loja e via pela vidraça
Gertrude atendendo anima outro cliente, com o mesmo tipo de animação que sentia
ter ela por ele, não conseguia mais seguir em frente. Temia que seu amor por
ela só podia ser uma maluquice de sua cabeça, e não só isso, que talvez pudesse
ser também um grande empecilho para ela. Ah... sabia muito bem, ela já devia
ter notado o quanto ele a amava, mas não queria nada com ele, só lhe tratava
bem por ser um cliente. Transtornado, Carlos voltava para casa, se trancava em
seu porão e passava o resto do dia, se tocando, pensando em outras a fim de
poder esquecê-la. Às vezes, sofria tanto que passava dias sem sair de lá, até
não aguentar mais estar longe dela, assim se recompunha, colocava seu terno e voltava
para comprar o seu bolinho. Mesmo que ela o odiasse, pensava, pelo menos podia
ser feliz naqueles singelos minutos que estava frente a frente a ela, pelo
menos ele sozinho poderia desfrutar daquele seu amor por ela.
Algumas vezes, esse
mero contato lhe era suficiente, porém nem sempre. A sua dor longe de Gertrude
só aumentava. Imaginava mais uma vez que tudo não passava de uma ilusão sua,
que algum dia chegaria naquela loja e não só estaria ela dando atenção a outro,
mas pior, muito pior, ela poderia simplesmente não estar mais lá, poderia ter
conhecido um cliente mais interessante que ele, e este reconhecendo suas
qualidades, prontamente a pedira em casamento, e agora estavam os dois longe,
de mãos dadas, em algum lugar onde ele nunca mais a poderia encontrar, a se
empanturrar daqueles bolinhos horríveis. Carlos chegara a um ponto que decidiu colocar
seus sentimentos em uma balança: o que era melhor, continuar desfrutando
daqueles pequenos momentos até o dia que ela desaparecesse para sempre, isso ao
mesmo tempo que passava o resto do dia passando mal imaginando isso; ou talvez
interromper tudo aquilo de uma vez por todas, descobrir a verdade, o quanto ela
não o queria, sofrer o que tinha que sofrer de uma vez só, seja dias, meses, ou
anos, mas pelo menos deixar de ser assombrado pela esperança. Não aguentando
mais, escolheu pela segunda opção. Com a ajuda de sua avó, roteirizou tudo que
devia dizer para ela a fim de aparentar ser a pessoa mais normal possível, e assim
lhe convidar para um encontro. Sua avó até lhe cederia a sala e a cozinha para
o encontro, caso esse viesse a ocorrer.
Chegara o grande
dia, mais uma vez no terno do seu avô, chapéu e lenço vermelho, entrou na loja,
pediu seu bolinho de avelã com mousse de chocolate e baunilha, e em vez de ir
embora, sentou no balcão para comê-lo. De coração estourando e mão apertada no
bolinho para não mostrar o quanto tremia, puxou conversa com Gertrude, seguindo
todo o roteiro que esquematizara com sua avó. Surpreendeu-se, pois não
imaginara que Gertrude fosse falar tanto de volta, tendo até de improvisar
algumas falas. Por fim, a convidou para um jantar após o seu expediente.
Confessou-se ser um ótimo cozinheiro e que voltaria para lhe levar num jantar
especial em sua casa. Obviamente, sua avó também se responsabilizaria pela
comida. Planejara fazer um talharim ao molho branco, caso a amada de seu neto
quarentão que morava no porão, aceitasse o convite. Porém, Carlos pensara além,
o jantar dos dois devia ter algo mais especial, algo que mesmo se tudo desse
errado, fizesse Gertrude consumir de alguma forma seu amor por ela. Assim, pela
primeira vez em muito tempo, se tocou pensando nela, focando em quanto a amava,
e misturou seu sémen com o molho branco que sua avó deixou pronto.
Chegara finalmente
o grande encontro entre Gertrude e Carlos. Chegando a casa dele, lá estava
posto na mesa o seu talharim coberto com seu molho cheio de amor, ela, por sua
vez, se responsabilizou pela sobremesa, levando seus bolinhos de avelã com
mousse de chocolate e baunilha, também cheios de amor.
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