Primeira Estação
O urso está a subir uma escadaria de madeira escura. Sobe, sobe, sobe, um infinito. Infinito raso e falho que se faz finito com o tempo. A completa escuridão o cerca com seu inebriante mistério e sua presença assustadora. Tão inebriante e assustadora que o urso pula e cai. Cai, cai, cai, uma imensidão. Não um infinito, porque ele cai para algum lugar. Algum lugar que não é nenhum lugar, mas não vamos falar disso agora. Cai para o laranja. Um sublime laranja que tudo toma, que tudo é. Um laranja que vibra com o espaço, fazendo-se em ondas, a aprofundar a existência tridimensionalmente. O urso está em um céu alaranjado de conforto, deslizando para baixo, eternamente, finitamente, calmamente, a chegar aos girassóis. Nadando em um mar de gigantescos girassóis que tudo são, pois tudo escondem. Deitado sobre todos, deitado sobre um, a olhar o céu que tapa a escuridão e esconde seus olhos. Não, não. Não os olhos dele, mas sim os olhos dela. Sim, dela. O urso só pensa nela. E pensando nela, arranca as pétalas do girassol, a perguntar quando novamente a verá. E quando um nunca se apresenta, só há mais uma vez espaço vazio a cair. “Eu te amo” “Eu te amo” “Eu te amo” “Onde estás?” Não, o urso não fala, mas de nada isso importa para que as frases se façam e que algumas dessas, só uma na verdade, pelo menos até agora, perguntas sejam. “Onde estás?” “Onde estás?” Mas não é ao urso a isso referente, é a escada, é a escuridão, é ao laranja, é ao conforto do deslizar no céu alaranjado, é aos girassóis que escondem. “Eu te amo” Não é a perda. É muito pior. É ao não conhecimento. É ao futuro não tido, ao presente não visto, ao passado repetido. Repetitivo, a repetir a repetição do vazio. Vazio, vazio, vazio, vazio. E o nada? Nada, nada, nada, nada. Cansei desses dois. Mas os miseráveis não estão a bater a minha porta? Não, pois já estão dentro, a acariciar a cabeça do urso, que deveria estar rosnado para afastá-los. Miseráveis, miserável. Oi! Tchau! Oi! Tchau! Oi! Tchau! Oi! Tchau! “Quem é ela?” Que se subam os degraus da escada para saber. Subimos então. O primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto, o quinto, o sexto, cansei de falar mas continuo subindo. Não me acompanhe, acompanhe o urso que cai do girassol. Maldito laranja que está no céu e não na terra. “Já te disse que te amo!” “Oi.” “Onde estás?” Degraus, degraus, degraus. Cada um, cada vez maior; cada passo, cada vez mais alto; cada esforço, cada vez mais exaustivo; cada tropeço, cada vez mais sentido. “Não a vejo!” A água. Sim, a água. Quero nadar e não a degraus subir. Quero o laranja e nele ficar e não deslizar. “Quero você!” Ele a quer. Quero querer. Quero viver. E o urso onde ficou? O urso deslizou de volta para o início dos degraus. Este urso desorientado, maior do que todos, a rosnar sem sentido para todos os lados, a se esfregar na árvore, a caçar os peixes despercebidos que sobem o rio. Quero rosnar, quero me esfregar, quero caçar, mas desorientado não quero mais estar. Cansei da confusão. “Não a conheci, não é óbvio?” “Por que não a conheci?” “Por que a seus olhos não contemplei?” “E a sua boca?” “E a sua boca?” Não, na sua pele não nadou, nos seus olhos não trafegou, na sua boca não se afogou. “Arte?” Não existe arte. Não se iludam, isto não é arte. Nunca foi, nunca é, nunca será. “Se há arte, ela é arte!” Todo resto é piada. O urso que fique a rosnar. Ele ama ela. Ele não é o urso. Ele é a escada. “Não, eu não sou!” Sim, você é! “Pare!” Não paro! “Pare!” Não paro, porque sou eu, não entendes? “É você?” Talvez. “Oi” Tchau.
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