Bachelard subindo as escadas


O erro na história da ciência é a teoria científica, questões e respostas, que não mais pode ser aceita no processo de constante revisão da razão que a desenvolveu. É o impedimento, porém também o necessário. Pois, ao reavaliar-se teorizações sobre, ou para, percepções e experiências empíricas, pode-se superá-las, corrigindo também o próprio processo da razão, impedindo assim repetências, um perder-se em labirintos.

A verdade sempre é, não se constrói, só sua compreensão se encontra em constante movimento. A razão se constrói por erros e acertos, erros que na simplicidade foram acertos, e acertos que na expansão poderão ser erros. Aquilo que é dado como certo e inquestionável por um espírito velho, é o degrau na escada para a verdade em que se projeta o erro como fim, é o que se faz fatalmente de muro para qualquer avanço. Um degrau a ser derrubado pelo espírito jovem, que ao superá-lo, irá construir novos degraus onde esse antes se encontrava, novos com uma estrutura mais capacitada a subir que a dos anteriores, mas que, por fim, no envelhecimento desse espírito, pararão e se farão de muros. Os subseqüentes muros que se apresentam no caminho para a verdade, crescem em complexidade no constante movimento de re-interpretação do que se acreditava grande, crescem por destruir seus anteriores, ou por reduzi-los a meros degraus, no processo forçado pela visão de algo ainda maior, de mais caminho a avançar. Pois, a total compreensão da verdade é como um objeto distante, escondido no topo de uma alta montanha. Uma montanha cujos caminhos o homem não foi habilitado naturalmente a seguir, mas que mesmo assim, pelo desenvolvimento de sua razão, tenta alcançar, construindo a escada que é a sua ciência. Escada ainda imperfeita, em constante movimento de reestruturação, pelo constante movimento de reformulação da razão que lhe dá vida.

Segundo Gaston Bachelard, a epistemologia tem como principal função, reconhecer esses erros, obstáculos ao avanço do conhecimento, muros a serem demolidos ou reduzidos a degraus, julgando-os, revelando seus limites aos homens que fazem ciência. Pois, só é pela razão, através do desenvolvimento científico por ela proporcionado, que se caminha para uma maior visão da verdade. O epistemólogo deve analisar as questões e respostas apresentadas, interpretá-las por suas épocas, e posicioná-las na construção da racionalidade. Deve compreender a estrutura e desenvolvimento das escadas que se constroem em direção a uma maior compreensão, reconhecendo seus erros e acertos, esquematizando-os para que se haja sua suplantação. Escadas que eventualmente proporcionarão, a partir de seus acertos, os degraus que pavimentarão um caminho sem empecilhos para a verdade. O epistemólogo, por fim, será aquele que proporcionará o quadro geral a ajudar os cientistas a questionarem suas teorias mais elementares, como: é a atual escada, a mais propícia para o atingir da verdade, ou seria necessário uma ruptura para outra completamente diferente?, é o corpo do degrau, resposta, o suficiente para sua base, questão? ou é sua base, suficiente para o desenvolvimento de um corpo?, haverão trechos da escada com necessidade de reparo, de atualização, sob os novos métodos de construção?, pode a estrutura atualmente usada no avanço, suportar o suficiente de degraus necessários?, …

Logo, para chegar a verdade através da ciência, deve-se armar uma permanente guerra contra os agentes que preferem o saber mergulhado na inércia, que se sujeitam a respostas por demais finitas, por degraus que por sua ambição ilusória se fazem altos demais para qualquer avanço subseqüente. E é o epistemólogo, o soldado desta guerra, a assistir, defender e, se necessário, corrigir, os operários que constroem essa escada, os cientistas.

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