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Amor à flor da pele de Wong Kar-Wai

Texto retirado do meu livro Turbilhão de lembranças em neon: Amor, desejo e memória no cinema de Wong Kar-Wai. R$19,90 na Amazon.


Amor à flor da pele é um filme sobre a criação de momentos, de lembranças, de movimentos na realidade, de como esses podem culminar num amor, e como este amor pode ser interrompido por pressões externas que se tornam internas.

Somos apresentados a dois casais que se mudam para quartos em apartamentos vizinhos. O marido do apartamento da esquerda, Chow Mo-wan (Tony Leung), conhece a esposa do apartamento da direita, Su Li-zhen (Maggie Cheung). Sim, a mesma Su Li-zhen de Dias Selvagens, casada e já distante da lembrança do pássaro que não podia pousar, o fei. Durante todo filme a câmera nos oferecerá a imagem-percepção de suas vidas, e a imagem-afetação de seus sentimentos. A esposa do primeiro e o marido da segunda habitaram um mundo fora de câmera, quase em off. Ou, quando aparecerem na frente desta, estarão de costas ou embaçados, longes da nossa visão - e nós, longe de seus sentimentos. Kar-Wai concentra toda a realidade que vemos na tela nos dois protagonistas. Ou seja, não necessariamente neles, mas nos sentimentos que desenvolvem um pelo outro.

Encontros e Desencontros de Sofia Copolla

ou Bob e Charlotte: Momentos na Cidade de Neon


I feel love, I know
And you
City girl, you’re beautiful
I love you, I do, I do, I do
Free to go, I know
And you, you
City girl, you’re beautiful
I love you, I do, I do, I do

“Kevin Shields”

Encontros e Desencontros (Lost in Translation) é um filme de Sofia Copolla sobre o encontro de dois estranhos na cidade de Tokyo, um encontro de duas pessoas desencontradas em suas vidas, um que em poucas noites as fará se reencontrar mais uma vez, se reencontrar em momentos banhados de neon na presença uma da outra.
A história é sobre Bob (Bill Murray) e Charlotte (Scarlett Johanson). Ele, um ator de longa data, com um casamento se desfazendo no desinteresse e no mecanicismo do cotidiano, e uma carreira que ele não sabe como deixou se descarrilhar para algo que pouco lhe importa além do dinheiro. Basicamente, a experiência que teve o que queria, mas de alguma forma não soube manter. Talvez porque não era para se manter, talvez porque demandasse algum esforço inesperado, talvez porque fora fruto de algo puramente momentâneo. Talvez momentâneo como nos momentos que o filme irá também proporcionar. Ela, por sua vez, é uma jovem ainda sem muita direção na vida, sem saber que rumo tomar, e já se desiludindo com as repentinas mudanças de seu marido. Logo um perdeu seu rumo e a outra ainda o procura.

Orgasmo Audiovisual: Louis CK

Um homem está tendo um encontro com uma mulher, vai bem, estão se divertindo, tem muitas coisas em comum. Vêm um grupo de colegiais fortões bêbados gritando na lanchonete onde estão. O homem pede para fazerem silêncio, um dos fortões vai até ele e ameaça o surrar, perguntando o que ele vai fazer contra eles. Ele diz que nada, sendo obrigado a admitir que é fraco - aceita ser humilhado. Eles vão embora, ele conseguiu lidar com a situação de forma que nada escalasse para a violência, porém a mulher ao seu lado acaba de perder todo respeito por ele, não acabarão mais na cama como ela esperava. Ela vai embora, ele vê o fortão e o segue. Acaba em sua casa, bate a porta conversa com os seus pais. Não veio fazer ameaças, só relatar o que aconteceu e esperar que o certo seja compreendido. Os pais pedem desculpas, ele sai. Na porta da casa escuta como a mesma ameaça violenta usada contra ele é usada contra o colegial pelo pai. O pai sai e conversa mais com ele – está cheio de problemas com a vida, com o trabalho, não sabe lidar com o filho. O homem o compreende, como compreende seu agressor e compreende a mulher que o rejeitou. Essa é a vida, a experiência da vida. 

A mais genuína comédia é encontrada no cotidiano, naquele ponto de quebra entre o que as coisas “deveriam ser” e como elas realmente são. É a risada na tragédia. E o melhor lugar para se evidenciar isso é no humor de Loius C. K., mais especialmente em suas duas séries de comédia para tv, Lucky Louie, produzida pela HBO com uma temporada de 12 episódios - já cancelada -, e Louie pela FX - já em sua segunda temporada de exibição. A primeira lidando com as contradições da vida de casado, e a segunda com a vida de solteiro, divorciado.

Orgasmo Audiovisual - Pílulas: O Planeta dos Macacos: Origem

Planeta dos macacos A origem é mais um adição a saga começada em 1968 pelo filme estrelado por Charlton Heston, Planeta dos Macacos. E diferente do desastre do remake de Tim Burton, esse consegue manter a qualidade dos originais. O filme apesar de começar pela visão do cientista interpretado por James Franco, rapidamente é tomado pelo verdadeiro protagonista, Cezar, um chimpanzé a começar sua trajetória épica de herói. E estranhamente é mais fácil se sensibilizar com uma revolta de macacos, que qualquer uma humana. 

 A série original é um saga de cinco filmes, uma série de TV e um desenho animado, que narra a construção desse mundo em que os macacos dominam e os humanos são selvagens incivilizados. Nela podemos ver através do herói Charlton Heston, como é ser tratado como um animal. E depois nos filmes subseqüentes, em que os macacos se tornam os protagonistas, como é ser tratado como um escravo. Cezar se torna de certa forma um ícone revolucionário, e um que por sua situação, acaba acendendo sentimentos de revolta no próprio espectador. Parece mais fácil se sensibilizar por revolucionários fictícios e não humanos que o contrário.

Orgasmo Audiovisual - Pílulas: Os Homens que Não Amavam as Mulheres

Os Homens que Não Amavam as Mulheres, A Menina que Brincava com Fogo e A Rainha do Castelo de Ar são uma trilogia de livros de detetive escritas pelo jornalista sueco Stieg Larsson. O começo de uma saga de dez livros, deixada inacabada por sua morte duas semanas depois de ter entregue os três primeiros para seu editor. Todos já adaptados para o cinema na Suécia e já com uma versão americana sendo produzida. Conta a história do jornalista Mikael Blomkvist, editor da revista Millenium, especializada em jornalismo investigativo, desmascarando crimes do governo e de grandes corporações. Uma publicação em compasse com sua versão na realidade: a Expo, editada pelo próprio Stieg Larsson, e dedicada a investigar organizações com tendências fascistas e nazistas operando na Suécia. E a história de Lisbeth Salander, uma hacker, especialista em investigar pessoas, uma garota abusada pelo sistema e pelos homens que trabalham nele, baseada na garota que aos 15 anos de idade, Larsson testemunhou sendo estuprada por uma gangue. O ponto de maior destaque em toda a saga não é em si os casos investigados por Blomkvist e Salander, mas a construção de ambos os personagens, sua determinação por lutar contra o que consideram errado, contra forças acostumadas com o poder. Outro destaque, mais aparente nos livros que nos filmes, é o conhecimento político e econômico de Stieg Larsson, que esmiúça em meio a sua narrativa vastos detalhes do presente e passado de corrupção, conspiração e assassinatos no poder sueco. É interessante em comparação a realidade de crimes e corrupção brasileira, ver o outro lado da moeda, a realidade que exporta as armas que consumimos, e importa nossas escravas sexuais. 

Orgasmo Audiovisual - Pílulas:X-Men: Origem - Sobre Deuses, Messias e Santos

Humanos são programados a acreditar em mitologias compostas de diversas figuras, signos, a atenderem suas necessidades psicológicas. Alguns amam Jesus, outros Maomé, outros Luke Skywalker, outros Ronald McDonalds, ou quem sabe uma figura do governo, como o Lula, ou o Obama. Temos os heróis, os vilões, as mocinhas, os escapes cômicos, e tudo é absorvido confortavelmente por nossas psiques devido o processo de evolução de nossos cérebros mamíferos. E todas essas mitologias foram confeccionadas intencionalmente para suprir essas necessidades e nos entregar a uma visão virtual do mundo, seja por romanos, ou comerciantes árabes, ou George Lucas com a ajuda de Joseph Campbell, ou cozinheiros da California, ou banqueiros. Eu, por minha vez, amo a Vampira dos X-Men, quero dar medo como o Wolverine, ter a facilidade e espírito livre do Noturno, e a inteligência do Fera. X-Men é a minha mitologia. E assistindo X-Men Origem (X-Men First Class), tenho a mesma experiência que outros indivíduos teriam com A Paixão de Cristo, ou Thor.

Te pego lá fora (Three O'Clock High) de Phil Joanou

ou Te pego além do último homem

Te pego lá fora, Three O'Clock High, é um clássico dos anos 80 do diretor Phil Joanou sobre a jornada de um homem para a iluminação, uma jornada quebrando os limites de sua realidade, quebrando os limites do papel ao qual se encontra, uma ruptura lhe forçada pela mão de um sábio inesperado. Em suma é o último filme, um filme que revela todos os segredos da vida e acaba a necessidade do cinema.

Uma batida de relógio de corda a soar acompanhando um relógio eletrônico, o tempo a sempre delimitar a vida e as decisões. Somos apresentados a Jerry Mitchell, um jovem pacato, de uma escola pacata. Acorda atrasado, começa desesperado o padrão, o ritual, a programação de início do seu dia determinado. Quarto bagunçado, ordem da desordem. Pacato, mas balançando na corda entre o homem e o último homem, quebrando os padrões do ritual do status-quo: aquece suas roupas no microondas, tira a pasta de dente da boca com coca-cola, atravessa os carros no seu caminho sem se importar. Vai buscar sua amiga, pseudo-namorada, Franny, uma garota também pacata, mas também tentando quebrar limites com seu estilo de se vestir e comportar diferente, só a espera de uma maior ação do homem ao seu lado para despontar. Jerry não a nota, está embutido demais nos padrões da sociedade, pensa na loira, usa seu desejo por ela para se aventurar além do comum.

Orgasmo Audiovisual - Pílulas: Frederico Fellini

Quando era necessário executar uma grande tarefa, difícil, arriscada, o homem paleolítico primeiro a desenhava na parede de uma caverna, na areia da praia, no casco de uma árvore, formando uma seqüência de imagens que lhe demonstravam a sua capacidade. Talvez após experienciar esse ritual, ele obtivesse sucesso em sua tarefa, matasse o tigre dentes de sabre, roubasse a garota loira de bons quadris de uma outra tribo, alvejasse até a morte aquele que o insultou, mas talvez não, talvez ele morresse. Porém, morria como um indivíduo certo da capacidade de vencer. Hoje em dia, você pode experienciar esse mesmo ritual com um filme num cinema, o novo templo escuro, fechado, e sair em busca de demonstrar as suas capacidades. Apesar de muitos só usarem essa ferramenta como uma forma de alienação, obtendo os sentimentos de sucesso, sem a responsabilidade da ação, outros sabem muito bem o que têm em suas mãos. E tal ferramenta não se limita só ao mundo do concreto, não se limita só ao mito do herói como foi apontado por Joseph Campbell, mas também pode ser uma porta para o mundo de sonhos, de possibilidades impossíveis, tornadas, assim, possíveis e concretas.

Orgasmo Audiovisual - Pílulas: Eu te amo, Phillip Morris

O amor pode fazer de um homem o rei do mundo, tanto quanto pode fazê-lo um mendigo bêbado desesperado. O desejo é quem guia o caminho, o desejo de fazer tudo para manter esse amor e lhe dar todo o melhor. Alguns têm o amor, mas não têm o desejo e aceitam qualquer coisa que a realidade lhes oferece, outros sabem que precisam moldá-la a sua maneira para concretizar tudo que querem. Steven Jay Russel é um homem que sempre soube disso e sua história real é contada no filme I love you Philip Morris. O filme, que estréia no Brasil dia 4 de junho, é a primeira direção da dupla de roteiristas Glenn Ficarra e John Requa, e estrela como protagonista Jim Carey.

Steven é a força do amor encarnada, porém, se perde, não faz necessariamente o que é melhor para as pessoas que ele ama, não procura saber o que elas realmente desejam, mas sim faz o que ele espera que seja o melhor. Pelo amor aos seus pais, ele se torna o perfeito homem de família cristão: esposa, filhos, membro ativo da comunidade. Mas os seus pais não são a sua vida, e logo após um acidente, ele decide finalmente amar a si próprio, e assume o seu verdadeiro desejo, sai a procura do seu verdadeiro amor no mundo. Esse é o ponto de partida do filme, a jornada de um homem movido pelo amor, tentando concretizar o que ele acha necessário para obtê-lo. 

Orgasmo Audiovisual - Pílulas: Ultra-derrame de sangue em Kick-ass e na série Spartacus

Baldes e mais baldes de sangue. Mais e mais Holywood distancia-se do mundo da fantasia de corpos que nunca bombeam sangue. Kick-Ass, a estrear por aqui em junho, de Matthew Vaughn, baseado na graphic novel de Mark Miller - o mesmo escritor de Wanted - traz mais uma amostra de uma realidade sanguínea estilizada. Seu protagonista é um nerd, que decide se tornar um herói. Um herói em um mundo real, em que uma gangue de rua pode facilmente quebrar todos os ossos do seu corpo e o fazer gritar desesperadamente por cada um deles.

Sim, o filme é um divertido elogio a violência. Porém, é um elogio que também reconhece a dor, sua conseqüência. Seus personagens são violentos e passam por situações violentas, mas também sofrem todas as conseqüências disso. Na verdade, uma das principais críticas de um público mais sentimental pode se apresentar mesmo nessa aceitação dos protagonistas de todo o flagelo físico demandado por suas escolhas. Já que grandes poderes não vem com grandes responsabilidades, e sim, grandes responsabilidades dão grandes poderes aqueles que as aceitam. A violência de um jogo de vídeo-game pode ser tão realista quanto a de um romance russo. E um massacre sem arrependimentos é tão válido quanto um jovem paranóico tendo um ataque de pânico pelas 800 páginas de um livro após abrir o crânio de uma velha com um machado. Como o próprio Fiódor Dostoiévski reconheceu, um crime é só realmente um crime dependendo de quem o cometeu. Alguns escolhem seguir o caminho de senhores, outros de servos, o que nós leva a um outro bom exemplo dessa gradual mudança no audiovisual americano: a série de tv Spartacus Sangue e Areia.

Canto da Saudade de Humberto Mauro

Canto da Saudade é um filme de Humberto Mauro de 1952, sendo uma profunda crítica ao poder do coronealismo em cidades do interior do Brasil. Estruturado como um conto narrado por uma professora a seus alunos, trata em primeiro plano da vida de um empregado de fazenda, Gaudino, e seu mundo de repressão, submisso ao coronel. Tendo também como pano de fundo a campanha política desse coronel, interpretado pelo próprio Mauro. Já na sua fase de documentários educacionais, Humberto Mauro acaba por usar uma retórica didática, extremamente sátira e eficiente neste filme. Tendo como protagonista um homem que não é agente de sua própria história, ou seja o próprio povo reprimido do sertão. Nem o romance na história é ao seu protagonista referente, a filha do coronel por quem ele se apaixona, não se envolve com empregados. O filme se expande para várias vertentes, tendo nos sonhos de Gaudino uma face surrealista, e na campanha política do coronel, características tanto documentais, quanto absurdas.

Ganga Bruta de Humberto Mauro & Limite de Mário Peixoto

ou O inútil de cada filme

Ganga Bruta é um filme de 1933, dirigido por Humberto Mauro, sobre o cotidiano da vida de um homem da burguesia brasileira. Limite é um filme de 1930, dirigido por Mário Peixoto, sobre a inutilidade das ações humanas, sua eterna limitação.

Em contraste, cada um com sua originalidade respectiva: Ganga Bruta é uma criação intuitiva de um diretor experiente, Humberto Mauro - seu sétimo filme, com mais a vir -, uma narrativa derivada de influências tanto da ação clássica norte-americana, como da experimentação estética européia, baseada em um roteiro alheio e tendo como bases ideológicas os conceitos do produtor Adhemar Gonzaga; Limite é uma criação de extrema técnica de um diretor de filme único, Mário Peixoto, uma narrativa poética de influencias da vanguarda francesa e de pesquisas de montagem russas, baseada na limitação do próprio diretor.

A Líria do Delírio de Walter Lima Jr.

ou  A Líria do Roteiro

Vamos fazer um drama, bem estilo nouvelle vague, a partir de um bloco de carnaval de Niterói, a Líria do Delírio. A trama deve ser a mais simples possível, sem nenhuma idéia a ser emitida ao público, só uma masturbação artística baseada no popular, completamente inacessível a ele.

Trama cíclica, todos os personagens participam do bloco de início de ano e se envolvem no drama, apesar de não necessariamente se conhecerem, assumindo diferentes papéis. Mulher é contratada para traficar drogas, perde-as para grupo rival do que a contratou. Seqüestram seu guri-guri para pagar pelo prejuízo. Líder da gangue é seu ex-amante. Jornalista se oferece para ajudá-la. Sugere vender o guri-guri para pagar o prejuízo e depois seqüestrá-lo de volta. Gangue que rouba as drogas tem desavenças, um queima o outro. Médico que pretendia vender o guri-guri é preso antes da fuga. Fim hollywodiano.

Trama estabelecida, improvisar tudo. Dar total liberdade aos atores para exageraram e preencherem as lacunas de tempo com um certo humor.

Parte final: a edição. Editar de forma que tudo pareça uma enorme dança em que todos os pontos se encontram e desencontram com a festa de carnaval. Tudo deve parecer um quebra-cabeça que se encaixa no total.

No Silêncio da Noite de Nicholas Ray

Um romance trágico, um drama sobre a confiança entre um casal envolvido no mistério. O protagonista é Humphrey Bogart, ou seja um anti-herói trágico, sério, com poucas expressões faciais, que por acaso é um roteirista de Hollywood. A idéia é sair um pouco do esquema de filme Noir,  mostrar um assassinato, dar um mistério para ser resolvido no final, mas não focar nele, mas num romance. Atingir tanto os homens que gostam de se imaginar como Bogart, como as mulheres que têm atração por homens de idade avançada com aparência semi-morta, e expandir também para mulheres que gostam de relações violentas, mas dando uma moral no final.
   
Bogart deve ser um homem frio, violento, porém também amigável, conhecendo todo mundo, do policial ao bêbado, tratando eles bem,  mostrando certa consciência apesar de seu desinteresse. Para dar um ar mais simbolístico a história, ele pode ter uma relação psicológica com o ato de dirigir.  O personagem deve ter um nome bem másculo como John Iron ou Dixon Steele, representando um verdadeiro roteirista de Hollywood, respeitado, lutador, o tipo de homem que você nunca se atreveria a olhar de lado, como Truman Capote.

Klaus Kinski

O papel de um ator não é assumir um papel, é ser este papel até causar uma explosão expressiva, é transformar o filme num emissor deste papel, é gritar com o diretor quando este não o filma o suficiente, é bater na fotografia quando esta não o ilumina direito, é saber se manter na produção depois que o diretor lhe aponta uma arma. Qualquer oposto é ser uma mera prostituta cinematográfica, interpretando para quem der mais e quem aparentar fazer mais sucesso. E uma prostituta foi o que foi Klaus Kinski por centenas de filmes, porém por um décimo de sua produção, foi uma explosão maior que todas.

    Klaus Kinski marcou sua presença nos filmes do cinema novo alemão com sua parceria com Werner Herzog em Aguirre (1972), Woyzeck (1979), Nosferatu (1979), Fitzcarraldo (1982) e Cobra Verde (1987). E depois por sua própria mão em Paganini (1989). Sua atuação não foi parte dos filmes, foi os filmes em si. Herzog, não importando o quanto competente, só pode atingir o seu ápice graças a Kinski, já que um bom filme precisa de uma boa expressão humana, e Herzog só soube até hoje dirigir forças. Ele como diretor passou a vida a capturar na tela todo o tipo de força: a força da natureza, a força da sociedade, a força da consciência humana. E isto o fez preparado para captar a força da expressão humana encontrada em Kinski, uma força individual que dificilmente outro ator poderia emitir. Como exemplo Christian Bale em Rescue Down, um ator extremamente competente, mas não uma força.

Be Kind Rewind de Michel Gondry

ou Uma ficção é uma ficção que é uma realidade

Be kind rewind não trata unicamente de uma desmistificação do fazer cinematográfico, mas também de um jogo convulso entre mistificação do espectador por si mesmo e desmistificação da realidade como matéria rebobinável.

    Ao começarem a fazer suas próprias versões dos filmes de Hollywood, Jerry e Mike acabam por trazer a interatividade aos espectadores. Estes que já participavam dos filmes a partir de suas próprias interpretações da trama, passam a não só ditarem que filmes passarão pela transformação da dupla, mas também atuam nos mesmos, possibilitando sua realização. O consumidor atinge o ápice de sua ocupação, não só decide que produto sobreviverá, mas também trabalha para mantê-lo, tomando em suas mãos pela primeira vez seu poder de consumo. Assim, o Robocop deixa de ser uma criatura mitológica das telas, com pessoas distantes em uma cidade distante, e passa a ser aquele cara gordo que você vê andando por aí umas três vezes por semana, lutando contra o crime, naquela rua onde você faz as suas compras.

    Os espectadores deixam de ser as crianças ais quais os produtores de um Olimpo distante ditam os gostos, e passam a ser esses produtores. Não só são agora produtores de suas vidas, mas também de seu entretenimento. Como um dos personagens do filme comenta, as novas versões dos filmes são muito mais divertidas. E isso não porque estas deixem de ser em si distantes, já que aquilo ainda não passa de uma ficção, mas porque se tornam uma distância pessoal, participativa. Mas o que é a realidade se não essa distância pessoal?

Buster, Charles e as Mulheres

O sério e o palhaço. Um vê o mundo como é, o outro, tenta ver algo mais. Um nunca sorri e consegue tudo, o outro, sempre sorri e acaba sozinho. Os filmes de Buster Keaton e de Charles Chaplin mostram duas visões de vida opostas em relação com o mundo. O ponto de foco: as mulheres e algo que possa ser chamado de felicidade.

Buster Keaton, com seu personagem de cara fria, sempre aparece em seus filmes, mesmo sob diferentes fantasias, como um homem sem direção, despercebido do mundo, que se move de um lado para o outro, a partir da direção que o vento lhe comanda, ou melhor que as instituições que regem o mundo ao seu redor lhe condicionam: família, estudo, emprego. Um homem que, por fim, só toma rédeas de sua vida quando esta determinação lhe oferece a oportunidade de pertencer a vida de uma bela garota, geralmente alguém que já pertence a sua história, mas que até então nada ele podia fazer para se aproximar devido a alguma condição. Assim, desta forma, indo contra tudo e contra todos, Buster executa as tarefas mais inimagináveis para conquistar seu coração. Faz tudo, sem muito pensar, que um homem normal nem cogitaria, e faz tudo motivado pelo seu desejo, se abstraindo completamente de tudo que não seja ele. E no fim, Buster sempre alcança resultados, é aceito pela garota, e assim com ela, e com sua face ainda imóvel, move-se no mundo das instituições que o determinam.