Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver é o segundo episódio da vida do personagem Zé do Caixão de José Mojica Marins. Começando com À Meia Noite Levarei sua Alma de 1964, continuando com este filme de 1967 e ainda a ser terminada segundo o autor. Tendo o personagem em si aparecido também apresentando programas de tv e rádio, e em outros filmes de Mojica, porém, nestes sempre como ficção ou alucinação e não como realidade.
(a partir daqui spoilers dos filmes)
No primeiro filme, À Meia-Noite Levarei sua Alma, somos apresentados a Josefel Zatanas, o Zé do Caixão, um agente funerário temido pelo povo de sua cidade. Um homem comum, sem quaisquer poderes sobrenaturais, que por seu comportamento decidido e seu modo de vestir, se faz um deus maligno entre a multidão ignorante. Cético, materialista, toma a história em suas próprias mãos, como um agente ativo na passividade de escravos do sobrenatural, da religião. Sendo um super-homem entre os homens por não se alienar de sua própria existência, reconhecendo seu verdadeiro ser, com seu verdadeiro poder. Porém, mesmo não temendo a vida, por não temer a morte, teme a descontinuidade de sua superioridade, não basta-se a si mesmo, quer a eternidade perante os outros, e, assim, é obcecado por ter um filho. O filho, o sangue de seu próprio sangue que continuará seus passos a elevação entre a decadente humanidade. Logo, casado e cansado de esperar, mata a mulher, por esta ser improdutiva e não conseguir engravidar, carregar o ser superior. Depois faz o mesmo com o único homem que o considera como amigo na cidade, para poder estuprar sua esposa. Todos são objetos, peças ou obstáculos no avanço do ser superior. Tem sempre sucesso e, por sua inteligência, não levanta as suspeitas da polícia, ignorante, seguidora de leis falhas. Entretanto, a mulher, grávida com seu filho, se mata, pondo tudo a perder. Assim, atormentado pela morte da continuação do sangue, Zé se afunda na loucura, se pondo a correr pela noite sombria e tempestuosa, a se entregar as ilusões do povo medíocre, que acabam por materializar seus medos. Chegando, por fim, ao cemitério local, a cova do amigo e da mulher estuprada, perde o controle de sua sanidade e, em total desespero, seus olhos saltam das órbitas.
Mojica Marins faz um filme que segue uma típica trama de terror clássico, porém é completamente original, pois não se limita a banalidade cotidiana de um sobrenatural qualquer. Explora o maior dos sobrenaturais, a própria ignorância humana, e tem no seu herói, um personagem que só faz por desmascará-la e ridicularizá-la, apontando com dedo acusador não só para os medíocres personagens sem ação da história, mas também, para o próprio espectador, que várias vezes se vê encarado diretamente por ele.
Em À Meia Noite Levarei sua Alma, todas as marcas de seu estilo e filosofia já aparecem, mas é em Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver, que elas atingem seu apogeu. Filosofia e mais filosofia, banhada de mulheres de camisola transparente, e de cenas de perversidade para chocar o público ingênuo, tudo em um cenário arquétipo da cidadezinha do interior brasileiro, de povo ignorante, dominado pelo coronel com seus jagunços, contaminado pelo padre católico. Seu herói é deus na própria história, ativo tanto no desenvolvimento, na evolução da trama, tanto na ruína. Todos os outros são só como espectadores passivos de seus sucessos e fracassos. Nota-se que a única hora em que Zé do Caixão renega seus ideais, é no fim do filme, quando afundando no lago reconhece Deus. Porém, este não foi o planejado pelo diretor, e sim uma exigência da censura da época.
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