Um Ensaio sobre a Água

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O homem está preso numa plataforma de metal enferrujado no meio de um eterno mar tempestuoso. Um infinito céu de trevas a tudo cobre, água escura a tudo cerca e gigantescas ondas para todos os lados batem. Decadente ferro corroído, que pouco ainda pode suportar, sob seus pés, range. Seus olhos, vazios ao olharem para a imensidão eterna, quase cegos por nada verem. Sua mente, a indagar o quanto mais o metal irá agüentar, o quanto mais suas pernas irão lhe suportar, o quanto mais irá ter de esperar a óbvia queda. O nada impera sob o tudo, mas a água do mar se encontra permanentemente a lutar, sempre a lutar, nunca a parar, nunca estática, mas também nunca a lhe oferecer um sólido chão para caminhar, só fazendo por afogar, só fazendo por tragar para a imensidão escura e confusa que o tudo é. A chuva, a bater em seu rosto, desce do céu com fortes gotas de dor, já que não pode mais descer através daquilo que não consegue mais ver. Um singelo púrpura se revela por entre as densas nuvens escuras, a oferecer esperança daquilo que nunca parece se encontrar. Um frio se compõe com sua existência.


O homem se encontra preso num momento estático de espera no topo desta plataforma de metal enferrujado. Balança, range, questiona. Ali não chegou nadando, nem pelas correntezas que levavam a sua verdadeira direção, as certezas que sempre se fazem sendo, nem pelas que levavam a sua destruição, ao afogamento na multiplicidade amorfa. Ali não chegou subindo, nem pelas escadas arquitetadas pelo seu próprio compreender, um amontoado de papel repleto dos cálculos mais profundos, nem pelas do seu instinto de pura sobrevivência, dos cálculos mais básicos. Ali não chegou caindo, nem daquilo que faz voar, daquilo que oferece, que é atemporal, eterno sem a um tempo pertencer, nem da ilusão, de qualquer ilusão que em outro lugar o fizesse se encontrar. Ali não sabe como realmente chegou, só que se encontra preso, preso em um momento sem origem, sem meio e sem fim, um momento a esperar, a esperar o que não pode encontrar. Esperar, como a tudo se espera, porque algo precisa ser esperado, pelo menos é a isso que se acredita, é sobre isso que fracamente se sustenta, a ainda respirar acima da confusão que devora.

Distante, por entre as altas ondas, uma esfera aparece. Uma esfera, não um triângulo, não uma quadrado, pois diferente destes, não tem pontas soltas, não é tomada por constantes desencontros e não se constitui de perguntas que não se fecham em círculos. Uma esfera a deslizar, a se manter una, mesmo sobre a multiplicidade amorfa em batalha. Algo novo, algo vivo, algo mais do que o visto até então, algo a enfim se fazer esperado pelo homem que espera. O homem que vê a esfera, que mesmo sob a tempestade navega em sua direção. Esperança, vontade, curiosidade. E quanto mais a olha, mais ela se faz parte de seu momento, construindo, então, a partir deste, um outro momento, um ao qual pertence. Ainda distante, só olhando, rapidamente, ele se encanta pela capacidade da esfera de deslizar pelo mar, de não se permitir ser devorada pela confusão em luta sob si.

A tempestade continua, com seu céu fechado e ondas a bater, mas a chuva pára, nada mais vaza pela face do homem, nada mais aparenta ter razão para fazê-lo. Seus olhos, ainda a olhar fixamente para esfera que se aproxima, flutuam por aquilo que pode ser com esta. Imaginando como seria com ela deslizar sobre o mar, como seria com ela voar pelo céu púrpura, como seria com ela não mais se sustentar sobre uma plataforma tão frágil. E com este pensamento, por alguns segundos, ele já se sente dentro do atemporal, como se aquilo que espera que seja, já fosse. Porém, logo seus pensamentos, tão rápido quanto voaram, encontram a queda e o espaço se faz por demais temporal. Começa a se questionar se a esfera realmente irá chegar a plataforma, se o mesmo acidente que trouxe-a até o seu campo de visão, a sua área de probabilidade, a tomará por desviar a correnteza de sua direção; ou pior, se ao passar por sua plataforma vai esta sequer notá-lo, lá parado a observá-la. E do temporal, mais uma vez tudo muda e se encontra dentro do momento, pois a esfera se aproxima e ele vê, dentro dela, uma linda garota a observá-lo com um sorriso. Toda a expectativa se confirma, todo o único que ele sabia que só aquela esfera poderia trazer se apresenta.

Chegando à plataforma, no fim de uma rampa que parece unicamente constituída para recebê-la, a esfera pára. Esta esfera, então, melhor vista, não tão grande, pintada de um vermelho escuro e composta de paredes infláveis, tomadas de um ar de vida. O homem vai correndo em sua direção, percorre toda a rampa, e lá se vê face a face, através de uma abertura no meio da esfera, com a grande beleza da garota, que se encontra lá, sentada, a também observá-lo. Fica tonto, mas continua, dá um passo para a esfera. Uma onda vem, a esfera se afasta, ele cai na água, no mar em luta. A garota grita seu nome e tenta estender sua mão para alcançá-lo, nada consegue, a esfera se afasta mais ainda. Ele nada em sua direção com toda a força que encontra em seu ser. Ela também se esforça para tentar mover a esfera em sua direção. Por fim, ele se perde, muita água, muito bater, se deixa ser tragado pelo correnteza. Quando, quase se afogando, duas pernas aparecem à sua frente, ele se agarra nelas. É a garota, que sentada na borda da abertura da esfera, o resgata, prendendo ele entre suas pernas, o puxando para superfície. Ele sobe, ainda entre suas pernas, a vê mais uma vez sorrindo, a abraça e enfim a beija. Seus lábios se unem numa eternidade. Depois se afastam, mas seus olhos se mantêm unidos, um olhando para o outro. “Eu te amo” diz ele. “Eu te amo” diz ela. “E este é  meu coração” continua ela  falando da esfera. Os dois se beijam mais uma vez e caem para trás, para dentro da esfera, onde juntos somem. Assim, segue a esfera sobre o mar em batalha.

Continua!

Parte integrante do livro Um Grito no Vazio para o Nada!

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