Zé Sarnento anda pelos corredores infinitos de seu palácio de cristal. A luz da lua atravessando as milhares de janelas ao seu redor, vem cobrir seu corpo nu, decorado unicamente por seu espalhafatoso bigode. Ele, inquieto, segura em sua mão uma taça de vinho, a qual bebe na espera do único amigo que lhe restou naquele miserável mundo. Àqueles que não saibam, Sarnento fora, ou melhor é, o trigésimo primeiro, e também, para falar a verdade, último, presidente da grande nação de El Dourado. Grande El Dourado, brilhando como um estrela para o mundo, a primeira potência quando se fala na exportação de almondegas” essas tão insubstituíveis gemas de ouro da culinária. Eleito por uma excelentíssima bactéria, que matou de indigestão o presidente eleito, ao qual havia se imposto como vice, graças a fotos do primeiro vestido de mulher, sendo espancado por um jovem tailandês. Sarnento havia desde então se mantido muito bem no poder, primeiro com uma reeleição – eleitores surrados, caixas de votação queimadas, congressistas comprados e um “tudo vai bem” na tevê - depois com outra - algumas revoltas mais facilmente contidas, mais uns trocados para os congressistas e mais “tudo vai bem” na telinha -, depois com um mandato vitalício - sentimento de impotência geral da população ainda consciente, panças cheias no Congresso e santificação na telona e no Vaticano -, e é claro, por fim, com as subsequentes reconstruções estruturais do seu corpo - ah, que milagre é a engenharia genética!
Nosso amigo Sarnento, porém não estava mais satisfeito com sua obra. Cento e quarenta e seis anos no poder e sentia um grande fracasso em seus ombros. Sua salvação da nação, seu milagre, o havia deixado isolado, deprimido. Sua revolução na educação, somada a influência da telinha de seu amigo Bob Oceânico - sim, o mesmo que ele se encontra esperando, o magnata das telecomunicação, fundador do jornal O Peru e do canal de tevê Peruada, e haviam transformado a população de El Dourado em uma massa polimorfa de seres subumanos. Um homem como ele, não podia mais andar na rua direito com seu cãozinho, não com aquelas criaturas. Seus corpos, todos deformados, só acostumados a se movimentar por trabalhos mecânicos e repetitivos, ao mesmo tempo que se estufavam com o tipo de comida, que lembrava muito a Sarnento seu vomito no fim de dias alcoolizados, o deixavam transtornado. Nem se comunicar mais podia com aquelas criaturas, já que estas agora só sabiam grunhir, e se comunicavam entre si apenas com expressões faciais exageradas de novela e estas que ainda se mantinham com toda popularidade. O futebol, o esporte amado pela nação, havia se tornado num show em que os participantes formavam a bola a partir de suas próprias fezes, e depois urravam enquanto tacavam-na um na cara do outro. Só para depois, quando estavam cobertos inteiramente por aquele material fecal, começarem a se sodomizar descontroladamente. O carnaval se resumira a barrigas gigantescas, se fazendo de base para seios igualmente gigantescos, se fazendo de base para papos igualmente gigantescos. E os carros, agora se resumiam aos que a maioria dos carnavalescos traziam por baixo de si afim de suportar seu extravagante peso. Todo o ano, Sarnento, como o excelentíssimo, era obrigado a assistir publicamente aqueles desfiles de braços chacoalhando em procissão.
Mas a verdade é que o que realmente começara a depressão do presidente, não fora nada disso. Primeiro fora o suicídio de seu último parente vivo: sua filha. Ela, junto dos outros magnatas que moviam o país, ainda mantinha sua forma humana graças a engenharia genética, porém havia recebido uma educação mista, pois ao mesmo tempo que tivera as melhores escolas, ou melhor, escolas de verdade em comparação ao resto da população, também sofrera influência da tevê de Oceânico, logo não soubera seguir a vida como um ser humano decente. Todos os outros parentes privilegiados de Sarnento haviam também se suicidado, mas ela era sua preciosa, uma perda insubstituível. O tropeço final veio quando teve de escolher sua trecentésima oitava mulher. Não havia mais quem o aceitasse nas classes privilegiadas como marido, logo teve que escolher uma no povo, uma que mais se parecesse ainda com um ser humano. Encontrou Lisbela - o nome que lhe deu, já que o original era uma bagunça de arranhões sem sentido - uma bela garota de doze anos. Só que não importava que ela aparentasse ser humana, na cama ainda grunhia, ainda só se comunicava por horrendas expressões faciais, e quando ele se afastava, ainda tentava cruzar com o pé da cama ou com outros objetos inanimados. O presidente, nessa situação, fora tomado por uma impotência psicológica.
Agora, impotente, deprimido e sozinho, Sarnento recebia em seu palácio Oceânico, com a última solução que havia conseguido pensar para acabar de vez com aquele miserável mundo: viajar no tempo. A primeira opção que lhe viera a cabeça fora simplesmente executar todos os doze bilhões de habitantes de El Dourado e começar tudo de novo. Porém, se ele sequer pensasse nisso, em poucos segundos a mão pesada da Federação Unida Mundial baixaria sobre ele. Ninguém se importava com as classes inferiores, mas todos se importavam com os protocolos da federação, e uma execução em massa ainda estavam fora de moda. Logo, só haveria uma opção de desfazer todo o desastre que havia cometido, pedir ajuda a Bob Oceânico, um dedo direto da F.U.M. no país e conseguir uma permissão entre a casta técnica de robôs zumbis para viajar no tempo e assassinar o seu avô Bondinho Baforento Sarnento. Ele sabia que se não eliminasse o problema na fonte, algum outro parente poderia causar todo o horror que havia cometido. Oceânico, por sua vez, relutara, o chamara de louco, mas depois de uma certa insistência e um vídeo pornô dele violando o corpo moribundo da filha de um dos dirigentes da F.U.M., mudou de ideia.
Oceânico chegou no fim da noite, acompanhado de dois robôs zumbis. Tudo estava certo, os quatro viajariam naquela noite mesmo. Sarnento acabou o seu vinho, depois foi para janela que dava para a avenida principal da capital de El Dourado e, sentindo sua excitação voltar, se masturbou como seu último ato para o povo. Depois se vestiu e pulou com os outros três no ventilador de luz invertido que lhes levaria a fazenda de seu avô, duzentos anos no passado. Caíram logo ao lado da casa do caseiro. Era noite, as pessoas saíram da casa para ver o acontecido. Os robôs zumbis os dominaram. E foi ai que Sarnento viu uma boa opção para saciar os seus desejos sexuais: a filha do caseiro. Ele a tomou ali mesmo, contra uma árvore, com todo o prazer de estar mais uma vez em contato, violando outro ser humano. Depois, eles seguiram para o casarão principal, romperam a porta da frente e entraram. Foram recebidos pelo dono, ao qual Sarnento pode reconhecer rapidamente pelos traços físicos. Só para confirmar, ele perguntou: Bondinho? O homem respondeu: sim!; fazendo Sarnento sacar sua arma a laser, o fulminando ali mesmo, sem deixar rastros. Feito o serviço, com um sorriso nos lábios, estava pronto para voltar a um mundo onde nunca havia nascido, nem ele, nem ninguém mais de sua miserável raça. Assim, os quatro voltaram de volta para o futuro.
O que Sarnento não sabia, é que seu avô havia começado sua vida de magnata após receber de herança as terras de seu irmão Bondinho Bundão Sarnento, que havia sido assassinado numa noite por um homem estranho. Também não sabendo, que Bondinho Baforento logo que se mudara havia se apaixonado pela filha grávida do caseiro, e que casaria com ela e adotaria seu filho como seu. Filho, que ao crescer, um dia se casaria e daria a um de seus filhos o nome de Sarnento. Sarnento não sabia nada disso, mas Oceânico sim. Porém, não precisou dar nenhuma explicação ao primeiro, pois voltará sem ele ao seu mundo de 200 anos no futuro, a sua adorada El Dourado. Pois programará os robôs para mandar Sarnento após a sua missão, não de volta para o futuro, mas sim para o passado, milhões de anos no passado, para viver com os dinossauros.
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