Orgasmo Audiovisual - Pílulas: Ultra-derrame de sangue em Kick-ass e na série Spartacus

Baldes e mais baldes de sangue. Mais e mais Holywood distancia-se do mundo da fantasia de corpos que nunca bombeam sangue. Kick-Ass, a estrear por aqui em junho, de Matthew Vaughn, baseado na graphic novel de Mark Miller - o mesmo escritor de Wanted - traz mais uma amostra de uma realidade sanguínea estilizada. Seu protagonista é um nerd, que decide se tornar um herói. Um herói em um mundo real, em que uma gangue de rua pode facilmente quebrar todos os ossos do seu corpo e o fazer gritar desesperadamente por cada um deles.

Sim, o filme é um divertido elogio a violência. Porém, é um elogio que também reconhece a dor, sua conseqüência. Seus personagens são violentos e passam por situações violentas, mas também sofrem todas as conseqüências disso. Na verdade, uma das principais críticas de um público mais sentimental pode se apresentar mesmo nessa aceitação dos protagonistas de todo o flagelo físico demandado por suas escolhas. Já que grandes poderes não vem com grandes responsabilidades, e sim, grandes responsabilidades dão grandes poderes aqueles que as aceitam. A violência de um jogo de vídeo-game pode ser tão realista quanto a de um romance russo. E um massacre sem arrependimentos é tão válido quanto um jovem paranóico tendo um ataque de pânico pelas 800 páginas de um livro após abrir o crânio de uma velha com um machado. Como o próprio Fiódor Dostoiévski reconheceu, um crime é só realmente um crime dependendo de quem o cometeu. Alguns escolhem seguir o caminho de senhores, outros de servos, o que nós leva a um outro bom exemplo dessa gradual mudança no audiovisual americano: a série de tv Spartacus Sangue e Areia.

Canto da Saudade de Humberto Mauro

Canto da Saudade é um filme de Humberto Mauro de 1952, sendo uma profunda crítica ao poder do coronealismo em cidades do interior do Brasil. Estruturado como um conto narrado por uma professora a seus alunos, trata em primeiro plano da vida de um empregado de fazenda, Gaudino, e seu mundo de repressão, submisso ao coronel. Tendo também como pano de fundo a campanha política desse coronel, interpretado pelo próprio Mauro. Já na sua fase de documentários educacionais, Humberto Mauro acaba por usar uma retórica didática, extremamente sátira e eficiente neste filme. Tendo como protagonista um homem que não é agente de sua própria história, ou seja o próprio povo reprimido do sertão. Nem o romance na história é ao seu protagonista referente, a filha do coronel por quem ele se apaixona, não se envolve com empregados. O filme se expande para várias vertentes, tendo nos sonhos de Gaudino uma face surrealista, e na campanha política do coronel, características tanto documentais, quanto absurdas.

Ganga Bruta de Humberto Mauro & Limite de Mário Peixoto

ou O inútil de cada filme

Ganga Bruta é um filme de 1933, dirigido por Humberto Mauro, sobre o cotidiano da vida de um homem da burguesia brasileira. Limite é um filme de 1930, dirigido por Mário Peixoto, sobre a inutilidade das ações humanas, sua eterna limitação.

Em contraste, cada um com sua originalidade respectiva: Ganga Bruta é uma criação intuitiva de um diretor experiente, Humberto Mauro - seu sétimo filme, com mais a vir -, uma narrativa derivada de influências tanto da ação clássica norte-americana, como da experimentação estética européia, baseada em um roteiro alheio e tendo como bases ideológicas os conceitos do produtor Adhemar Gonzaga; Limite é uma criação de extrema técnica de um diretor de filme único, Mário Peixoto, uma narrativa poética de influencias da vanguarda francesa e de pesquisas de montagem russas, baseada na limitação do próprio diretor.

A Líria do Delírio de Walter Lima Jr.

ou  A Líria do Roteiro

Vamos fazer um drama, bem estilo nouvelle vague, a partir de um bloco de carnaval de Niterói, a Líria do Delírio. A trama deve ser a mais simples possível, sem nenhuma idéia a ser emitida ao público, só uma masturbação artística baseada no popular, completamente inacessível a ele.

Trama cíclica, todos os personagens participam do bloco de início de ano e se envolvem no drama, apesar de não necessariamente se conhecerem, assumindo diferentes papéis. Mulher é contratada para traficar drogas, perde-as para grupo rival do que a contratou. Seqüestram seu guri-guri para pagar pelo prejuízo. Líder da gangue é seu ex-amante. Jornalista se oferece para ajudá-la. Sugere vender o guri-guri para pagar o prejuízo e depois seqüestrá-lo de volta. Gangue que rouba as drogas tem desavenças, um queima o outro. Médico que pretendia vender o guri-guri é preso antes da fuga. Fim hollywodiano.

Trama estabelecida, improvisar tudo. Dar total liberdade aos atores para exageraram e preencherem as lacunas de tempo com um certo humor.

Parte final: a edição. Editar de forma que tudo pareça uma enorme dança em que todos os pontos se encontram e desencontram com a festa de carnaval. Tudo deve parecer um quebra-cabeça que se encaixa no total.

Assim falava Nietzche: Que Venham os Merecedores do Corpo!


Que venha aquilo que não é homem, aquilo que o sucederá, aquilo que está além do homem! Eles dividem o mesmo corpo, mas não a mesma mente. Este misero que é o homem nem realmente pode chegar a conceber aquele máximo que está a vir, pois ambos partem de dois conceitos completamente diferentes que nunca poderão se encontrar. Qual a prova? Um corpo que já é o seu potencial, com uma mente que pouco lhe toca. O potencial do homem nada se aproxima do potencial do corpo, do potencial que a terra lhe oferece.
A mente do homem: que insulto ao corpo! Sua filha, com certeza, mas sua filha retardada. O máximo potencial do homem, aquele encontrado naqueles que são os últimos homens, nada mais é que ser um ser para si e por si, limitado ao que é e não ao que pode, ou ao que poderia caso não fosse sua mísera condição. 

O último homem só ama ao homem. Até chega a entender o corpo, mas só o faz pelo homem e não pelo corpo, não ama o corpo. Não ama o corpo e como homem renega na ignorância tudo que lhe é oferecido. O corpo, por sua vez, lhe dando a liberdade de escolha, ou melhor a liberdade de se provar capaz de seu uso, o deixa morrer na limitação de seu amor por si mesmo.