Meu ano sem ela - Charles Darwin no Rio de Janeiro

 
Uma jornada alcoolizada e promiscua pelo Rio de Janeiro. Um confronto contra as armadilhas da memória, da lembrança e dos fantasmas que a acompanham, contrastando a realidade do dia a dia, com a ilusão romântica de filmes hollywodianos, de séries de tv, de exaltações literárias da bohemia. Um caminho psicológico, pela seleção sexual Darwiniana, através do próprio e de cutias dançantes, e dos rinocerontes que espreitam uma casa a beira do mundo.





Charles Darwin no Rio de Janeiro - Parte 1

Foi no final de abril de 1832 que Darwin decidiu se hospedar na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império do Brasil, alugando uma chácara no bairro de Botafogo. Facilitaria suas pesquisas naturalistas, como também atender ao número de convites que recebia para jantares das famílias abastadas da região. Para Darwin, um jantar grátis, era um jantar grátis e não deveria ser descartado - não suportava mais as refeições do cozinheiro samoano dentro do Beagle. Peixe, cebola e batata; manhã, tarde e noite; peixe, cebola e batata; de vez em quando a especialidade de peixe, cebola e beterraba. Já estava há quatro meses no navio, e lá ficaria por pelo menos mais dois anos. Era uma viagem cartográfica, a qual fora convidado afim de fazer companhia intelectual ao capitão, FitzRoy, ou melhor, impedir seu suicídio – prender sozinho um homem educado num navio com marinheiros, seria o mesmo que prender um homem comum em uma jaula com chimpanzés -, e a qual tinha aceito afim de aprofundar suas pesquisas, como também realizar seu sonho de infância de ver em primeira mão – ver e tocar - os peitos das nativas do Taiti.


            A todo lugar que atracavam o navio eram a sensação da boa sociedade, que gostava de cutucá-los com seus dedos, às vezes galhos de árvore, ou laminas de navalha, oferecendo suntuosos jantares. Darwin geralmente acompanhado de Augustus, o desenhista da viagem. E foi num desses jantares que conheceu Dona Júlia. Conheceu primeiro, é claro, seus abastados peitos, firmemente comprimidos dentro de seu corset, depois fez a delicadeza de olhar para cima. Vermelho de vergonha por sua displicência, foi apresentado a baronesa. Dona Júlia, uma angolana negra, filha de um renomado traficante de escravos. Sua presença o consternava, seja por seu corset apertado, seja por sua defesa da escravidão e dos negócios de sua família. Ah, as coisas que o velho Darwin, agora de batom, olhando para o espelho de sua casa em 1881, poderia contar para sua versão jovem. Aquele pobre jovem que ainda estava a formular o mais básico da sua teoria da seleção natural e nem sabia da outra que se seguiria pela frente, outra que poderia ter feito sua relação com Dona Júlia tão mais fácil, tão mais compreensível.

            O jantar era oferecido por um rico cafeeiro do vale do Paraíba, o Barão Odorico von Raul-Chico, em seu frequentado casarão de frente a praia de botafogo. Todos estavam muito excitados pela visita do jovem naturalista inglês, um espécime exótico para todos os convidados. Davam-lhe toda atenção, até este, após as apresentações, já sentados à mesa, cometer a displicência de oferecer-lhes algumas palavras sobre as suas excitantes pesquisas. Queriam mesmo só o seu exotismo inglês para fofocar sobre chás, ópio, engenhocas a vapor, sociedades secretas e orgias monárquicas. Ao abrir a boca para falar da sua fascinação pelas cutias da fauna local, sobre seus topetes e danças, desviavam de seu olhar, trocando sorrisos de embaraço, e tentavam puxar algum outro tópico de seu interesse próprio. Passada a refeição, e vista a incapacidade de Darwin em descrever as orgias incestuosas dos reis, o interesse por cutucá-lo se esvaíra ao abismo, e passara ao seu acompanhante Augustus, muito mais habituado em entreter os nativos. Só Dona Júlia fazia-se de exceção, mantendo seu interesse na conversa com ele. Apesar de também não por suas descobertas sobre a dança das cutias, mas por sua irredutível reprovação da escravidão.

            - Não posso entender como a senhorita pode ser tão impassível quanto a escravidão de seu próprio povo – indagou, quando já estavam sentado numa poltrona à janela.

- Que insulto, senhor Darwin! Meu próprio povo? O senhor, por acaso, é um representante também dos limpadores de chaminé ingleses? Acha que só porque todos vem da mesma direção do oceano, todos devem pertencem aos mesmos clubes sociais. Saiba muito bem estar a falar com uma quase nobre, não com uma mera carga de navio qualquer. O barão, meu pai, é um renomado empresário, seja aqui, seja em Portugal, seja na colônia. Muito provável, garanto, que se fosse britânica, estaria mais em equivalência a uma prima distante da princesa Vitória, e não de um reles plebeu como o senhor, senhor Darwin. Falar a verdade, o senhor tem muita sorte, de as circunstâncias terem lhe permitido entrar em contato com tal nobre majestade como eu.

- Compreendo, não duvido que a senhorita tenha atributos muito nobres. Posso vê-los muito bem aqui presentes, é... na sua perseverança e... é... elucidação. Seus ancestrais, com certeza, chegaram a sua posição por serem os mais capazes entre o seu povo. Mas isso não muda que todos merecem escolher sobre o governo de suas próprias vidas, e não devem ser feitos de mercadoria. Seja os naturalistas ou os limpadores de chaminé.

- Como esse pato assado teve escolha do governo de sua própria vida? – apontou para os restos do prato principal na mesa do jantar.

            - Não, não é isso que estou falando.

            - Não, é sim, porque aquele pato também começou como uma mercadoria na vida e a carne da sua coxa agora está bem mastigada dentro do seu estômago. Senhor Darwin, é... não! Vou chamá-lo de Carlinhos, o senhor não merece essas formalidades.

            - Não há...

- Não acabei de falar, Carlinhos! Você viveu muito confortável na sua vida acadêmica londrina, para alguém que sai por ai falando da capacidade do mais forte, precisa sentir mais a brutalidade do dia a dia. A vida é feita de batalhas, se você quer algo, você tem de tomar o que quer, senão acaba sendo tomado pelo desejo de outra pessoa, e acaba um produto no mercado. Esse pato está um esqueleto agora, com um coxa em seu estômago, porque ele não teve a capacidade de construir uma sociedade para ter a coxa do senhor Carlinhos no seu bico – coloca a mão na coxa de Darwin -. Você tem de tomar aquilo que quer! Ou vai ficar ai cantando para as suas cutias? 

            - Mas não vivemos numa sociedade de patos, senhorita Júlia. Não foi nos comendo uns aos outros que aqui chegamos.

A cada troca de palavra, a cada desafio, um sentimento crescia no interior do jovem Darwin: o desejo de devorá-la, com ou sem aqueles peitos apertados a balançarem no seu horizonte. Perdia-se em pensamentos de como conquistá-la. Porém, a cada tentativa de produzir algum comentário que a agradasse, que concordasse com suas crenças, se via impedido por seus princípios morais.

            - Hum... sabe como os homens na minha terra conquistam as mulheres? Eles demonstram o quanto sabem batalhar na vida, o quanto entendem como a sociedade realmente funciona. Meu pai para conquistar algumas de minhas mães, as das famílias mais importantes, não só teve de cantar um poema descrevendo todos os seus grandes feitos, como também a cada casamento teve de confeccionar uma machado diferente afim de enfiar na cabeça de todos os seus competidores. E você, Carlinhos, como conquistaria uma mulher? Heim? Dançando a traseira igual uma cutia? Hum... dessa forma vai acabar casando com uma prima que more na casa ao lado.

Excitação, confusão, como reagir com Dona Júlia? Por um lado, ela não parava de hostilizá-lo por suas crenças, por outro ela obviamente demonstrava prestar atenção em cada uma das suas palavras, demonstrando lembrar de detalhes que descrevera mais cedo quando ele tentara falar aos convidados sobre o movimento da traseira das cutias. Não sabia exatamente o que concluir sobre ela, desejava-o também ou não? Porém, sua mente se perdia na ansiedade e não conseguia ver como aquela troca tão agressiva poderia chegar ao que mais gostaria naquele momento: afogar sua cabeça entre aqueles seus voluptuosos peitos. Quem sabe? Poderia aparentar estar tão excitada, só por pura por pura irritação. Cada vez mais enfiando seus dedos violentamente na coxa dele.

Olhar para o passado trazia um sorriso aos lábios de batom do velho Darwin em 1881. Como aquele jovem “Carlinhos” era tão ingênuo! Não importava a irritação que via em Dona Júlia, Carlinhos já tinha todas as cartas evolutivas em sua manga. Tinha a aprovação social da tribo local, do Barão Odorico, como também dos outros cafeeiros, dos senadores, dos diplomatas, das viúvas e, principalmente, das cafetinas, que ditavam as regras de boa convivência entre a sociedade carioca. Era-lhes um espécime exótico, um inglês enviado da boa sociedade acadêmica da sua tribo britânica. Um estranho, com selo de qualidade internacional estampado pela maior força armada da época. Não só isso, mas também um estranho cuja boca era armazém de muitas outras qualidades exóticas, conhecimentos de que ninguém se importava em escutar, mas a que davam suprema importância de dizer que conheciam alguém que os dominava. Todas as mulheres que entendiam das regras da boa sociedade queriam desfrutar daquele exotismo, queriam seus jatos as a afogar entre as pernas, queriam parir filhos tão exóticos quanto a ele, tão prematuramente calvos como ele. Ah, se tivesse falado de suas aventuras lutando contra piratas em vez do traseiro das cutias, teria Dona Júlia e seus voluptuosos peitos em dois segundos, como também todos os outros peitos do jantar. Porém, naquela época as cutias lhe pareciam tão mais excitantes. Somos primatas verborrágicos, nossa fala é nosso atraente, é por onde exibimos o nosso maior ornamento sexual, nosso cérebro. Sim, é claro, que isso não é gratuito, não é só sair falando qualquer besteira que ninguém vá entender, o que falamos tem de ser medido a partir dos interesses da sociedade ao nosso redor, ou melhor a com que estamos nos comunicando. Descrever ter sido quase morto por piratas, teria sido tão mais excitante para aquelas patricinhas do novo mundo, a viver em seus casarões, só a fofocar o romance do capataz com a lavadeira. Provar-lhes-ia que era um guerreiro, e guerreiros sempre são importantes para a sociedade, sempre tem bons atributos. Sua descrição daquele fascínio pelo acasalamento das cutias, por sua vez, só deixaria molhadas as integrantes da sociedade secreta e inexistente das mulheres naturalistas da Inglaterra.

O jovem Darwin ainda não estava fora do jogo com Dona Júlia. Sua incapacidade de fazer a dança do acasalamento, ainda não apaga seus chamativos atributos exóticos. Dona Júlia também estava se provando para ele. Isolada de sua terra natal, também isolada de sua sociedade, logo a única ali para defendê-la, defender seu status, sua força, como também os valores pelos quais escolheria um bom parceiro, defender contra as observações desse outro espécime exótico isolado de sua terra natal. De todo tempo vivendo no Império do Brasil, ele era o espécime mais fora do comum que ela encontrara. Fora do comum, mas ao mesmo tempo respeitado por todos ao seu redor. Possuir esse exótico naturalista britânico, prematuramente calvo, que tanto chamava a atenção do povo daquela terra estranha, ter sua submissão aos seus valores, seria a confirmação da sua superioridade, da superioridade dos padrões do seu povo, padrões testados e aprovados por muitas gerações.

A inaptidão do jovem Darwin, nunca cedendo as suas provocações, provocavam também uma confusão em Dona Júlia. Não sabia como reagir. Porém, quanto mais difícil ele se tornava, quanto mais frustrava ela se sentia, tanto mais excitada ficava. Cheia de raiva, quase já furando a coxa dele com suas unhas, sem ele mover um dedo, estava já preparada a o estuprar. Sugeriu-lhe que saíssem.

- Melhor conversarmos no jardim, Carlinhos. Sua intransigência está me deixando tão quente de raiva, já estou um fogo por dentro, preciso recostar contra uma árvore sob o luar e respirar bem fundo para poder lidar com você. 

   O jovem Darwin, parou, refletiu sobre aquela proposta e tomou uma importante decisão.

- É melhor não, senhorita Júlia, assim não chegaremos a nenhum lugar. Desculpe-me, não tive a mínima intenção de deixá-la quente de raiva. A verdade é que também tenho de ir embora. Amanhã de manhã já tenho mais uma visita marcada. Foi um prazer conhecer a senhorita, espero poder revê-la com os ânimos mais apaziguados entre nós – e fugiu noite a fora.

            O convite de Dona Júlia o consternara, acreditava que ela devia estar ficando tão irritada com ele que precisava andar ao ar livre para relaxar. Porém, tinha certeza que se fosse acompanhá-la, não conseguiria mudar o comportamento que tivera até então, continuaria a lhe contrariar moralmente com a sua boca solta. Precisava sair dali, enquanto havia tempo, para poder melhor planejar sua linha de ação afim de que ela aceitasse, entre seus peitos, sua cabeça.

Continua...

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