Foi no final de abril de 1832 que Darwin
decidiu se hospedar na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império do Brasil,
alugando uma chácara no bairro de Botafogo. Facilitaria suas pesquisas
naturalistas, como também atender ao número de convites que recebia para
jantares das famílias abastadas da região. Para Darwin, um jantar grátis, era
um jantar grátis e não deveria ser descartado - não suportava mais as refeições
do cozinheiro samoano dentro do Beagle. Peixe, cebola e batata; manhã, tarde e
noite; peixe, cebola e batata; de vez em quando a especialidade de peixe,
cebola e beterraba. Já estava há quatro meses no navio, e lá ficaria por pelo
menos mais dois anos. Era uma viagem cartográfica, a qual fora convidado afim
de fazer companhia intelectual ao capitão, FitzRoy, ou melhor, impedir seu
suicídio – prender sozinho um homem educado num navio com marinheiros, seria o
mesmo que prender um homem comum em uma jaula com chimpanzés -, e a qual tinha
aceito afim de aprofundar suas pesquisas, como também realizar seu sonho de
infância de ver em primeira mão – ver e tocar - os peitos das nativas do Taiti.
A todo lugar que atracavam o navio eram a sensação da boa sociedade, que gostava de cutucá-los com seus dedos, às vezes galhos de árvore, ou laminas de navalha, oferecendo suntuosos jantares. Darwin geralmente acompanhado de Augustus, o desenhista da viagem. E foi num desses jantares que conheceu Dona Júlia. Conheceu primeiro, é claro, seus abastados peitos, firmemente comprimidos dentro de seu corset, depois fez a delicadeza de olhar para cima. Vermelho de vergonha por sua displicência, foi apresentado a baronesa. Dona Júlia, uma angolana negra, filha de um renomado traficante de escravos. Sua presença o consternava, seja por seu corset apertado, seja por sua defesa da escravidão e dos negócios de sua família. Ah, as coisas que o velho Darwin, agora de batom, olhando para o espelho de sua casa em 1881, poderia contar para sua versão jovem. Aquele pobre jovem que ainda estava a formular o mais básico da sua teoria da seleção natural e nem sabia da outra que se seguiria pela frente, outra que poderia ter feito sua relação com Dona Júlia tão mais fácil, tão mais compreensível.
O jantar era oferecido por um rico
cafeeiro do vale do Paraíba, o Barão Odorico von Raul-Chico, em seu frequentado
casarão de frente a praia de botafogo. Todos estavam muito excitados pela
visita do jovem naturalista inglês, um espécime exótico para todos os
convidados. Davam-lhe toda atenção, até este, após as apresentações, já
sentados à mesa, cometer a displicência de oferecer-lhes algumas palavras sobre
as suas excitantes pesquisas. Queriam mesmo só o seu exotismo inglês para
fofocar sobre chás, ópio, engenhocas a vapor, sociedades secretas e orgias
monárquicas. Ao abrir a boca para falar da sua fascinação pelas cutias da fauna
local, sobre seus topetes e danças, desviavam de seu olhar, trocando sorrisos
de embaraço, e tentavam puxar algum outro tópico de seu interesse próprio.
Passada a refeição, e vista a incapacidade de Darwin em descrever as orgias
incestuosas dos reis, o interesse por cutucá-lo se esvaíra ao abismo, e passara
ao seu acompanhante Augustus, muito mais habituado em entreter os nativos. Só
Dona Júlia fazia-se de exceção, mantendo seu interesse na conversa com ele.
Apesar de também não por suas descobertas sobre a dança das cutias, mas por sua
irredutível reprovação da escravidão.
- Não posso entender como a
senhorita pode ser tão impassível quanto a escravidão de seu próprio povo –
indagou, quando já estavam sentado numa poltrona à janela.
- Que insulto, senhor Darwin! Meu próprio povo?
O senhor, por acaso, é um representante também dos limpadores de chaminé
ingleses? Acha que só porque todos vem da mesma direção do oceano, todos devem
pertencem aos mesmos clubes sociais. Saiba muito bem estar a falar com uma
quase nobre, não com uma mera carga de navio qualquer. O barão, meu pai, é um
renomado empresário, seja aqui, seja em Portugal, seja na colônia. Muito
provável, garanto, que se fosse britânica, estaria mais em equivalência a uma
prima distante da princesa Vitória, e não de um reles plebeu como o senhor,
senhor Darwin. Falar a verdade, o senhor tem muita sorte, de as circunstâncias
terem lhe permitido entrar em contato com tal nobre majestade como eu.
- Compreendo, não duvido que a senhorita tenha
atributos muito nobres. Posso vê-los muito bem aqui presentes, é... na sua
perseverança e... é... elucidação. Seus ancestrais, com certeza, chegaram a sua
posição por serem os mais capazes entre o seu povo. Mas isso não muda que todos
merecem escolher sobre o governo de suas próprias vidas, e não devem ser feitos
de mercadoria. Seja os naturalistas ou os limpadores de chaminé.
- Como esse pato assado teve escolha do governo
de sua própria vida? – apontou para os restos do prato principal na mesa do
jantar.
- Não, não é isso que estou falando.
- Não, é sim, porque aquele pato
também começou como uma mercadoria na vida e a carne da sua coxa agora está bem
mastigada dentro do seu estômago. Senhor Darwin, é... não! Vou chamá-lo de Carlinhos,
o senhor não merece essas formalidades.
- Não há...
- Não acabei de falar, Carlinhos! Você viveu
muito confortável na sua vida acadêmica londrina, para alguém que sai por ai
falando da capacidade do mais forte, precisa sentir mais a brutalidade do dia a
dia. A vida é feita de batalhas, se você quer algo, você tem de tomar o que
quer, senão acaba sendo tomado pelo desejo de outra pessoa, e acaba um produto
no mercado. Esse pato está um esqueleto agora, com um coxa em seu estômago,
porque ele não teve a capacidade de construir uma sociedade para ter a coxa do
senhor Carlinhos no seu bico – coloca a mão na coxa de Darwin -. Você tem de
tomar aquilo que quer! Ou vai ficar ai cantando para as suas cutias?
- Mas não vivemos numa sociedade de
patos, senhorita Júlia. Não foi nos comendo uns aos outros que aqui chegamos.
A cada troca de palavra, a cada desafio, um
sentimento crescia no interior do jovem Darwin: o desejo de devorá-la, com ou
sem aqueles peitos apertados a balançarem no seu horizonte. Perdia-se em
pensamentos de como conquistá-la. Porém, a cada tentativa de produzir algum
comentário que a agradasse, que concordasse com suas crenças, se via impedido
por seus princípios morais.
- Hum... sabe como os homens na
minha terra conquistam as mulheres? Eles demonstram o quanto sabem batalhar na
vida, o quanto entendem como a sociedade realmente funciona. Meu pai para
conquistar algumas de minhas mães, as das famílias mais importantes, não só
teve de cantar um poema descrevendo todos os seus grandes feitos, como também a
cada casamento teve de confeccionar uma machado diferente afim de enfiar na
cabeça de todos os seus competidores. E você, Carlinhos, como conquistaria uma
mulher? Heim? Dançando a traseira igual uma cutia? Hum... dessa forma vai acabar
casando com uma prima que more na casa ao lado.
Excitação, confusão, como reagir com Dona
Júlia? Por um lado, ela não parava de hostilizá-lo por suas crenças, por outro
ela obviamente demonstrava prestar atenção em cada uma das suas palavras,
demonstrando lembrar de detalhes que descrevera mais cedo quando ele tentara
falar aos convidados sobre o movimento da traseira das cutias. Não sabia
exatamente o que concluir sobre ela, desejava-o também ou não? Porém, sua mente
se perdia na ansiedade e não conseguia ver como aquela troca tão agressiva
poderia chegar ao que mais gostaria naquele momento: afogar sua cabeça entre
aqueles seus voluptuosos peitos. Quem sabe? Poderia aparentar estar tão
excitada, só por pura por pura irritação. Cada vez mais enfiando seus dedos
violentamente na coxa dele.
Olhar para o passado trazia um sorriso aos
lábios de batom do velho Darwin em 1881. Como aquele jovem “Carlinhos” era tão
ingênuo! Não importava a irritação que via em Dona Júlia, Carlinhos já tinha
todas as cartas evolutivas em sua manga. Tinha a aprovação social da tribo
local, do Barão Odorico, como também dos outros cafeeiros, dos senadores, dos
diplomatas, das viúvas e, principalmente, das cafetinas, que ditavam as regras
de boa convivência entre a sociedade carioca. Era-lhes um espécime exótico, um
inglês enviado da boa sociedade acadêmica da sua tribo britânica. Um estranho,
com selo de qualidade internacional estampado pela maior força armada da época.
Não só isso, mas também um estranho cuja boca era armazém de muitas outras
qualidades exóticas, conhecimentos de que ninguém se importava em escutar, mas
a que davam suprema importância de dizer que conheciam alguém que os dominava.
Todas as mulheres que entendiam das regras da boa sociedade queriam desfrutar
daquele exotismo, queriam seus jatos as a afogar entre as pernas, queriam parir
filhos tão exóticos quanto a ele, tão prematuramente calvos como ele. Ah, se
tivesse falado de suas aventuras lutando contra piratas em vez do traseiro das
cutias, teria Dona Júlia e seus voluptuosos peitos em dois segundos, como
também todos os outros peitos do jantar. Porém, naquela época as cutias lhe
pareciam tão mais excitantes. Somos primatas verborrágicos, nossa fala é nosso
atraente, é por onde exibimos o nosso maior ornamento sexual, nosso cérebro.
Sim, é claro, que isso não é gratuito, não é só sair falando qualquer besteira
que ninguém vá entender, o que falamos tem de ser medido a partir dos
interesses da sociedade ao nosso redor, ou melhor a com que estamos nos
comunicando. Descrever ter sido quase morto por piratas, teria sido tão mais
excitante para aquelas patricinhas do novo mundo, a viver em seus casarões, só
a fofocar o romance do capataz com a lavadeira. Provar-lhes-ia que era um
guerreiro, e guerreiros sempre são importantes para a sociedade, sempre tem
bons atributos. Sua descrição daquele fascínio pelo acasalamento das cutias,
por sua vez, só deixaria molhadas as integrantes da sociedade secreta e
inexistente das mulheres naturalistas da Inglaterra.
O jovem Darwin ainda não estava fora do jogo
com Dona Júlia. Sua incapacidade de fazer a dança do acasalamento, ainda não
apaga seus chamativos atributos exóticos. Dona Júlia também estava se provando
para ele. Isolada de sua terra natal, também isolada de sua sociedade, logo a
única ali para defendê-la, defender seu status, sua força, como também os
valores pelos quais escolheria um bom parceiro, defender contra as observações
desse outro espécime exótico isolado de sua terra natal. De todo tempo vivendo
no Império do Brasil, ele era o espécime mais fora do comum que ela encontrara.
Fora do comum, mas ao mesmo tempo respeitado por todos ao seu redor. Possuir
esse exótico naturalista britânico, prematuramente calvo, que tanto chamava a
atenção do povo daquela terra estranha, ter sua submissão aos seus valores,
seria a confirmação da sua superioridade, da superioridade dos padrões do seu
povo, padrões testados e aprovados por muitas gerações.
A inaptidão do jovem Darwin, nunca cedendo as
suas provocações, provocavam também uma confusão em Dona Júlia. Não sabia como
reagir. Porém, quanto mais difícil ele se tornava, quanto mais frustrava ela se
sentia, tanto mais excitada ficava. Cheia de raiva, quase já furando a coxa
dele com suas unhas, sem ele mover um dedo, estava já preparada a o estuprar.
Sugeriu-lhe que saíssem.
- Melhor conversarmos no jardim, Carlinhos. Sua intransigência está me deixando tão quente de raiva, já estou um fogo por dentro, preciso recostar contra uma árvore sob o luar e respirar bem fundo para poder lidar com você.
O jovem Darwin, parou, refletiu sobre aquela proposta e tomou uma importante decisão.
- É melhor não, senhorita Júlia, assim não
chegaremos a nenhum lugar. Desculpe-me, não tive a mínima intenção de deixá-la
quente de raiva. A verdade é que também tenho de ir embora. Amanhã de manhã já
tenho mais uma visita marcada. Foi um prazer conhecer a senhorita, espero poder
revê-la com os ânimos mais apaziguados entre nós – e fugiu noite a fora.
O convite
de Dona Júlia o consternara, acreditava que ela devia estar ficando tão
irritada com ele que precisava andar ao ar livre para relaxar. Porém, tinha
certeza que se fosse acompanhá-la, não conseguiria mudar o comportamento que
tivera até então, continuaria a lhe contrariar moralmente com a sua boca solta.
Precisava sair dali, enquanto havia tempo, para poder melhor planejar sua linha
de ação afim de que ela aceitasse, entre seus peitos, sua cabeça.
Continua...
Nenhum comentário:
Postar um comentário