Memórias do Transmundo: Aldeia Maracanã



Durante quase toda a minha vida passei de ônibus ao lado do Maracanã, me intrigando por aquele prédio antigo abandonado do lado do estádio, que tanto destoava na paisagem. Sempre foi óbvio o contraste, de um lado um prédio de uma época em que se importavam com a arquitetura das construções, do outro um estádio saído de linha de produção, dedicado a alienação das massas, onde as pessoas podem sentar engordar e ver outras pessoas fazerem gols, alcançando objetivos alheios a si e ficando ricas com isso. Só há uns dois anos, fui descobrir que se tratava do original Museu do Índio. Aqui primeiro conto tudo que descobri sobre o prédio e o movimento índio e depois passo para minha aventura me dependurando em vigas de metal no teto.

O prédio em si foi construído em 1862, e no início do século 20, dado ao governo para servir como sede para a representação dos índios no Brasil, o que na nossa oligarquia de galinheiros só foi se concretizar em 1953, quando o museu em si foi estabelecido no prédio por Darcy Ribeiro. Lá ficou até 1978, quando o museu foi transferido para uma nova sede em Botafogo e virou uma loja de quinquilharias turísticas.

O prédio foi deixado caindo aos pedaços até 2007, quando foi ocupado por índios buscando o seu propósito original, a real representação indígena perante o estado, a luta por seus direitos, coisa que a Funai não faz. Assim, foi fundada a Aldeia Maracanã, com índios vindos de várias tribos ao redor do país, buscando construir ali uma referência para seu movimento por maiores direitos. Quem já leu o estatuto do índio, sabe o horror que é, resume os índios a bichos de zoológico, que tem de ser tutelados pelo estado e não têm um direito real sobre nada ao seu redor, as chamadas “reservas” indígenas. Aí veio a copa e as olimpíadas, e o governo Sérgio Cabral, além de roubar com a reforma do Maracanã, também decidiu vender toda a área ao redor dele para construir shoppings, estacionamentos, mais lojas de quinquilharias. Ou seja, prédios como a Escola Municipal Friedenreich e o Museu do Índio tinham que vir abaixo, para serem “licitados” já com cartas marcadas para o bilionário Eike Batista fazer mais uns trocados. (Sou a última pessoa que vai falar algo contra capitalismo, sobre gente fazendo dinheiro, isso aqui não é capitalismo, é monarquia pura.)


Ano passado começou a luta dos índios contra essas forças monárquicas, para impedir a demolição do prédio. Sério, é só olhar para o prédio e comparar com o que há ao redor. Queriam demolir a única coisa decente na área. Sou o tipo de pessoa que se demolirem o Maracanã para construírem um chafariz, eu vou estar me lixando. Mas prédios assim, que alguém realmente se importou construindo, pensou na beleza arquitetônica do que estava fazendo, é inaceitável. Mas voltando ao movimento. Lutaram e lutaram, conseguiram o apoio de outras camadas da população, e finalmente o monarca Sérgio Cabral “cedeu” e desistiu de pô-lo abaixo. Isso para anunciar que queria os índios fora, e que lá sediaria um museu olímpico. Ou seja, uma loja de bolas de futebol e yogurt. O Maracanã em si, apesar de atrair muita gente pagando caro para ver outras pessoas fazendo algo na vida, não dá muito lucro. Manter um colosso daqueles sai caro. Porém, os arredores, com possibilidade de lojas e estacionamentos para quem vai lá, é o exato oposto, lá que está o ouro. Já está certo, assim que tirarem os índios, entra uma das empresas do Eiki Batista para transformar aquilo em loja. Então, a luta não acabou, continua.

O objetivo dos índios com o lugar, pelo menos com os índios realmente comprometidos com a causa (mais à frente falo do oposto), é reformar por completo o prédio e estabelecer ali uma universidade indígena, como também um museu vivo. O que é isso? É ter um lugar para que qualquer índio vindo ao Rio possa ficar, e lá fazer cursos (noções de direito, administração, política, jornalismo, ...) que o possibilitem mais poder perante um estado que quer os controlar até mesmo na venda do seu artesanato. É também criar uma referência para as pessoas de fora, de outras culturas, conhecerem mais as diferentes culturas indígenas do Brasil. Apreender suas tecnologias de vida, suas tecnologias gramaticais. Porque a língua, a mitologia, a ética de outras culturas, não passam de tecnologias que podem abrir novas portas de compreensão da realidade ao nosso redor.

O movimento em si teve de enfrentar vários problemas nos últimos meses, após a confirmação da não demolição do prédio, o apoio das outras camadas da sociedade pela causa diminuiu. Isso também perante as falsas promessas do governo de ajudar os índios lá estabelecidos a continuarem seu movimento em outro lugar. (Como no hotel para mendigos e cracudos na Central do Brasil.) Problemas em si também internos, pois partes das lideranças foi cooptada pelo estado, aceitando essa “possível” mudança para outro lugar, sem a aprovação de suas tribos e da maioria índia no lugar. Essas lideranças, já no momento expulsas da aldeia, prejudicaram muito do trabalho feito até então, tanto negando o apoio de outros movimentos que lutam também contra a opressão do estado oligárquico, como também proibindo os eventos com visitação de fora que estavam tendo na aldeia até então. Foi o “apoio” do governo querendo dividir para conquistar, com representantes da secretária dos direitos humanos e da Funai, “ajudando” em reuniões em que só esses representantes eram aceitos de não indígenas. Ou a Darcy Ribeiro, querendo “ajudar” oferecendo a sua sede para reuniões. Ou seja, oferecendo selecionar os lideres de sua preferência, colocá-los numa vã, e levá-los para um lugar bem distante dos outros índios, para lá resolverem as questões.

Chegamos então no momento presente, com uma ordem de despejo dos índios do lugar para terminar hoje, dia 20 de março. Ou seja, a qualquer momento a polícia pode invadir o lugar para levar todo mundo para fora. Algo que muitos índios no lugar não vão aceitar, pois sabem que perdendo aquele prédio, se perde um grande instrumento de luta para seu movimento. Logo, todo apoio nessa hora é bom, porque vai ser muito mais difícil tirar dali uma multidão de apoiadores na frente das câmeras.  É tudo uma questão de espetáculo, pois vamos ser sinceros lei não há.


Agora, vamos para minha visita. Como já disse, entrar ali era um sonho meu há anos. Se não fiz desde que descobri do movimento índio lá, foi por sempre aparecer algo no dia que pretendia ir. Mas ontem, um amigo meu que já está participando do movimento há meses, estava chamando gente para apoiar, e decidi que agora era a hora. O prédio em si, apesar de algumas estruturas não mais existirem, está em ótimas condições, de diferente só algumas árvores crescendo por paredes e muita lama para todo lado, que dá um ar bucólico ao lugar. A maioria dos índios em si vive em casas construídas ao redor. Dentro do prédio, apesar de também ter índios, você encontra mais apoiadores que vieram de outros estados, ou são do Rio mesmo, mas lá se acamparam. A parte divertida é se mover de um andar para o outro, ainda mais para quem tem um certo medo de altura. Acho que as pessoas que tem maior medo de altura são as que mais se divertem quando chegam no topo de algo! As escadas que ligam os dois primeiros andares não existem mais, só há um esqueleto metálico e mais nada, sendo que desse esqueleto, nem o de todos os degraus sobraram. Logo você sobre engatinhando, olhando para a altura, e algumas vezes tendo de descobrir como passar por grandes vãos sem nada. Ou seja, maior diversão. O que só se intensifica caso você queira chegar no terraço. Não há uma escada de verdade para lá, só uma improvisada, dependurada numa corda, que só vai metade do caminho. No topo dela, você tem de se dependurar em vigas de metal do que um dia foi um teto, e lá se equilibrando subir. O terraço em si, não era um terraço, mas um teto de telhas, que já desabou por completo. Lá, como podem ver no vídeo em anexo, se pode ver do Maracanã, a Mangueira, ao Museu da Quinta da Boa Vista. Rio tanto no vídeo, pela adrenalina da escalada, fora o fato que sabia que logo teria de descobrir como descer. 


Voltando para baixo, a vida lá entre os índios segue normal como em qualquer lugar, apesar de não haver muita comida, pois a horta deles foi destruída por um incêndio “misterioso”, e agora estão dependendo de contribuições. Cozinhavam um peixe numa fogueira quando desci. Tem famílias completas lá. O ritual de um casamento ainda está em celebração. Pessoas conversam para um lado, conversam para outro, claro que com um clima agitado, pela incerteza do futuro. Também muita revolta por tudo que foi feito pelas lideranças que estavam vendendo o movimento. Como pajés dos nada fazendo discursos emocionados de como pretendem lutar, caso as tropas do monarca cheguem. Hoje, retorno.  

Ação cultural marcada lá hoje 16h!

Escadas


Subida para o terraço

Terraço








Resto do prédio










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