Te pego lá fora (Three O'Clock High) de Phil Joanou

ou Te pego além do último homem

Te pego lá fora, Three O'Clock High, é um clássico dos anos 80 do diretor Phil Joanou sobre a jornada de um homem para a iluminação, uma jornada quebrando os limites de sua realidade, quebrando os limites do papel ao qual se encontra, uma ruptura lhe forçada pela mão de um sábio inesperado. Em suma é o último filme, um filme que revela todos os segredos da vida e acaba a necessidade do cinema.

Uma batida de relógio de corda a soar acompanhando um relógio eletrônico, o tempo a sempre delimitar a vida e as decisões. Somos apresentados a Jerry Mitchell, um jovem pacato, de uma escola pacata. Acorda atrasado, começa desesperado o padrão, o ritual, a programação de início do seu dia determinado. Quarto bagunçado, ordem da desordem. Pacato, mas balançando na corda entre o homem e o último homem, quebrando os padrões do ritual do status-quo: aquece suas roupas no microondas, tira a pasta de dente da boca com coca-cola, atravessa os carros no seu caminho sem se importar. Vai buscar sua amiga, pseudo-namorada, Franny, uma garota também pacata, mas também tentando quebrar limites com seu estilo de se vestir e comportar diferente, só a espera de uma maior ação do homem ao seu lado para despontar. Jerry não a nota, está embutido demais nos padrões da sociedade, pensa na loira, usa seu desejo por ela para se aventurar além do comum.

O relógio bate mais uma vez, todos sentem como aqueles que já conhecem seu fim, mesmo ainda não tendo o experienciado, o destino marcara aquele dia, entram na zona da sociedade, da multiplicidade de vozes, que somadas umas sobre as outras anunciam a vinda de um estranho ao seu mundo, um selvagem, uma incógnita. “Ele não gosta de ser tocado por ninguém.” Talvez saiba que estar na sociedade é praticar a simbiose, contaminar e ser contaminado. Patricinhas, nerds, jogadores de futebol, o fluxo de informação caminha por todos. 


Entra Buddy Revell, o estrangeiro, o invasor do status-quo. Jerry não é só um estudante, é um comerciante, um homem das trocas, já bem inserido no fluxo hierárquico da sociedade, sendo um ponto de encontro para muitas de suas necessidades de consumo. Não só um comerciante, mas também parte do jornal da escola, também um homem de troca de informações. Assim, é escolhido como o embaixador para receber o estrangeiro, ao qual por seu exotismo, o status-quo teme. Jerry vai até ele, tenta ser o emissor da sociedade em que está inserido. Buddy só quer ficar sozinho. Jerry toca Buddy no ombro, o força a uma simbiose que o segundo não quer, e nesse momento escolhe e é escolhido para seguir a jornada que Buddy o fará passar. 3 horas da tarde, depois da aula, os dois irão lutar. A vida de Jerry foi alterada, não há mais volta, é correr para frente e sofrer as conseqüências. 

O fluxo de informação corre, logo todos sabem da luta entre os dois. Jerry se torna o centro das atenções, todos querem ver sua queda perante o estrangeiro. O grilo a ser devorado pelo escorpião, com o tempo a tocar, com a loira, o sexo, a lhe provocar e as massas ao querer consumir, começam os testes de sua capacidade como indivíduo. 


- Trapaça. A enganação como porta para a ruína. Um amigo de Jerry planta uma faca no armário de Buddy afim de expulsá-lo da escola antes da briga. Jerry não aceita, mas é tarde demais. Jerry sabe que isso trará conseqüências. 

- Fuga. A sociedade clama por um ritual de sangue e Jerry é a ovelha de sacrifício. Ele não agüenta, decide fugir, vai para o seu carro, mas Buddy está sempre um passo à frente, já destruiu o motor do carro e também descobriu a faca. Tenta correr, mas a sociedade não o permite, tem de seguir o padrão, mesmo que seja para sua ruína. Um erro e anos de bom comportamento vão para o buraco, a diretoria, as bases sustentadoras das regras da sociedade, sempre esperam o pior. Apostas começam a ser feitas para a sua cabeça.

- Poder. A habilidade de abrir a boca e decidir é metade do caminho se for bem usada. Não aceitando ainda a idéia de lutar, Jerry decide usar seus contatos e poderes de negociação para contratar um valentão para bater em Buddy. Tem de roubar a si mesmo, ao seu trabalho na escola, para pagar o valentão, se afundando mais na vergonha com a necessidade de se manter no status-quo. De nada adianta, o valentão é massacrado.

- Rebelião. A sociedade elogia o status-quo, mas não consegue esconder a sua ereção para aqueles que o quebram. Jerry decide se comportar fora dos padrões para ser suspenso, vira o rebelde sem causa. Engasga-se com um cigarro onde não pode, questiona, agarra sedutoramente a professora. Começa a sua transformação, começa a descobrir o poder que tem escondido dentro de si. Não agüenta, acaba na enfermaria. Seu comportamento tem a reação oposta ao que esperava, é valorizado. Vira, assim, um objeto de desejo para a loira que cobiça. Enquanto sua pseudo-namorada ainda perdida sem sua ação, decide se entregar a ele por completo, mas ela mesma não agüenta as transformações em si própria e sem a determinação dele, dá para trás.

- Submissão. O pior buraco é baixar a cabeça. Buddy pede cola para Jerry, Jerry aceita lhe passa as respostas de uma prova, os dois são pegos, acabam na diretoria. Jerry com medo assume a cola, Buddy se revela saber muito bem todas as respostas. Tudo se revela um teste perpetuado por Buddy em que Jerry falhou. Ou quem sabe, um teste necessário para ele se ver em sua condição.

- Dinheiro. Aqueles que não desabam por completo em sua própria mediocridade, podem levantar como algo inteiramente diferente após um banho de lama. Jerry decide pagar Buddy para não lutar, Buddy aceita, mas com desgosto das ações de Jerry. “Você nem tentou, como você se sente com isso?” Jerry quase chora com a reprovação e desapontamento de Buddy.


- Ruptura. Acabou, Jerry não pode mais viver no status-quo, não pode ser mais o estudante pacato, monótono, tem de tomar a sua vida em suas próprias mãos. Chutar quem entra em seu caminho, quebrar a cara de quem o desafia, beijar a garota que ama. Luta! Todos esperam ansiosos para ver o seu massacre. Jerry é um homem e está preparado para lutar com um outro homem. Vem a autoridade se por entre os dois, Buddy soca o diretor e depois mostra seu desprezo pela bisbilhotice da sociedade, quebra as câmeras que filmam tudo. Jerry parte para o ataque, dá um soco como um homem e recebe um como um homem, apesar de cair. Buddy vai massacrá-lo, mas Jerry não é um selvagem, é parte da sociedade se colocando agora como determinante em seu topo, logo seus amigos vêm defendê-lo. Todos que antes esperavam a sua derrota, agora o fazem de representante de sua vitória perante o estrangeiro. Jerry soca Buddy mais uma vez e este cai. Jerry é o herói, membro da sociedade, no topo desta, homenageado por todos como o líder que finalmente é. Todos os erros que cometeu durante o dia não importam, pois todos foram necessários para sua ruptura de um passado imóvel para um presente de ação. E toda a sociedade vem apaziguar os seus problemas, lhe dão todo o dinheiro para cobrir o que perdeu com Buddy. Sendo que Buddy no final vem lhe devolver o seu dinheiro, pois agora está lidando com um igual, ou quem sabe até alguém acima dele, já que diferente de Buddy, Jerry não teve de se isolar de todos para atingir a sua iluminação. Um sorriso diminuto de respeito é o que Buddy tem a oferecer. Jerry controla agora a sua vida, suas decisões, seus desejos. Recomeça o fluxo de informação, com Jerry herói como o foco.

Quem é Buddy? É um homem que não gosta de ser tocado por homens comuns, que se isolada de uma sociedade que só faz por devorar, que se isola para ler, para expandir seus conhecimentos. É um guru iluminado vagando pelo espaço e às vezes encontrando outros indivíduos que talvez com a sua ajuda possam atingir a mesma iluminação. Jerry já estava no caminho para algo mais, mas estar no caminho não é necessariamente atravessá-lo, poderia viver eternamente na sua posição. A perturbação da presença de Buddy no espaço foi todo o necessário para Jerry ser tragado até ele. E nessa interação, Buddy o testou, passo à passo, para ver se Jerry tinha todo o necessário para se tornar também um ser iluminado. Pois às vezes para se avançar é preciso de uma quebra violenta, é preciso de medo, é preciso se chegar ao poço, para após se levantar e ver as novas portas a se abrirem pela frente. Portas que já estavam lá, mas que se negavam aos cegos que não podiam as ver. Jerry acaba como um homem, o último homem, com a submissão da sociedade perante o seu poder de ação, de decisão, com a garota que deseja ao seu lado, ao mesmo tempo que todas as que são um padrão de desejo da sociedade o desejam, e por fim com um respeito total sobre si mesmo.

Nenhum comentário: