Assim falava Nietzche: Que Venham os Merecedores do Corpo!


Que venha aquilo que não é homem, aquilo que o sucederá, aquilo que está além do homem! Eles dividem o mesmo corpo, mas não a mesma mente. Este misero que é o homem nem realmente pode chegar a conceber aquele máximo que está a vir, pois ambos partem de dois conceitos completamente diferentes que nunca poderão se encontrar. Qual a prova? Um corpo que já é o seu potencial, com uma mente que pouco lhe toca. O potencial do homem nada se aproxima do potencial do corpo, do potencial que a terra lhe oferece.
A mente do homem: que insulto ao corpo! Sua filha, com certeza, mas sua filha retardada. O máximo potencial do homem, aquele encontrado naqueles que são os últimos homens, nada mais é que ser um ser para si e por si, limitado ao que é e não ao que pode, ou ao que poderia caso não fosse sua mísera condição. 

O último homem só ama ao homem. Até chega a entender o corpo, mas só o faz pelo homem e não pelo corpo, não ama o corpo. Não ama o corpo e como homem renega na ignorância tudo que lhe é oferecido. O corpo, por sua vez, lhe dando a liberdade de escolha, ou melhor a liberdade de se provar capaz de seu uso, o deixa morrer na limitação de seu amor por si mesmo.

Os homens mesmo buscando se exaurir numa orgia de últimos homens, nem a isso se aproximam. O homem é ainda o macaco, o homem é o que acredita nas fadas do além, o homem é o que se masturba sem fim em sua própria mente. O corpo lhe deu a capacidade de luta, a capacidade de questionar o que é, e o que não é, e por fim a capacidade de se matar. Aqueles que não lutam, que morram no câncer de sua mente doentia! Que morram a deformar o corpo que prefere a putrefação, que o insulto! Macacos a repetir as decisões de outros, piadas a entregar sua ação a resultados de um não vida, idiotas a se afogar num mar de papel picado. 
O corpo, enojado com o homem, constantemente está a se suicidar, pois espera a chegada de um homem realmente capaz, merecedor do que faz parte, para fazê-lo por sua vez. Aquilo que sucederá o homem, não virá do homem, mas de seu suicídio. O além do homem virá do homem que escolher morrer como homem e não como rato. Morrer, deixando seu corpo para algo inteiramente novo, muito além de seus desejos, esperanças, virtudes e alegrias, talvez uma completa oposição a estes. O além do homem não amará seu corpo, ele simplesmente será um com ele.

Definições ou Escadas ou Pastéis

E a terra deu o corpo.
E o corpo deu a mente.
E a mente se fez eu. 
E este eu é um caos.

    Tudo que a mente é, é devido ao corpo. Todo eu só existe devido ao desejo do corpo de um eu que se componha consigo como um. O corpo é uma composição constante de estímulos, sensações, inclinações, operações e decisões. O eu é uma emaranhado inconstante do que o corpo lhe deu, ou melhor o forçou a ter quando o criou, misturado com o que este próprio conseguiu desenvolver, ou que outros o obrigaram a aceitar. O eu, como criação do corpo, é em si seu campo de testes. Testes a buscar um bom parceiro a simbiose. Pois, a terra trabalhou muito para lhe dar um bom habitante, mas deixou para este a escolha do seu ser.
    A terra deu vida ao corpo e lhe disse: “Viva, te dou espaço, mas também te dou movimento; te dou tempo, mas também te dou a habilidade de se multiplicar; te dou fome, mas também te dou luta; e mais que tudo, te dou a potencialidade de ao caminhar sobre a minha face fazê-lo sem erros.” E o corpo, em retorno, rosnou e correu para a floresta. Muitos anos se passaram e o corpo se viu estático, não conseguia avançar de nenhuma maneira além do que a terra lhe tinha dado no momento de criação, era necessário mais para poder avançar. Então, correu e bateu de cara numa árvore. Nesta ação, nasceu sua primeira e única filha, a mente. A mente, deveria explorar todas as possibilidades dadas pela terra ao corpo, devia movê-lo a campos ainda não explorados. Porém, ela nasceu retardada e sua primeira ação foi mover o corpo correndo para outra árvore e dar de cara com ela mais uma vez. Muitos problemas começaram dai, em vez de soluções como era esperado.
    Mente bem estúpida, devo dizer! Em vez de buscar soluções, se afogou em besteiras. Quando não se perdia em delírios de que todos os problemas que estava ali para resolver, seriam solucionados num mundo mágico após sua morte, ou encontrava as mais mirabolantes formas de negar seus problemas, ou evitava-os, em vez de confrontá-los, se acreditava sozinha e via o corpo como um crime a sua pessoa. O corpo, bem irritado, para dizer a verdade, as amaldiçoou perante tamanhos insultos: “Que não morram, que se destruam, que se afundem em si próprios sem o meu amparo!” A partir de então a mente foi deixada sozinha a vazar suas deformidades para um corpo abandonado. Homens caiam ante as doenças mais ridículas, quando não se matavam tentando tratá-las com elementos exteriores. Homens se enchiam como balões até estourar. Homens viravam pedras a carregar mais pedras por preferirem a submissão a dominação. Alguns, porém, perante o câncer que se tornará a raça humana, começaram a reagir. Reagir contra a doença que se espalhava, pulando de mente em mente, a devorar tudo aquilo que encontrava. Assim, nasceu o homem em luta, que primeiro virou camelo e quis colocar sobre suas costas todo o conhecimento que conseguiu encontrar, depois virou leão, e viu o quanto todo esse conhecimento não passava de repetição e devaneio, achando melhor formular seu próprio conhecimento, por fim, chegando a criança, e vendo que sua posição em si inibia-o da visão real de tudo que buscava, que era necessário esquecer de tudo, para realmente lembrar como enxergar, como sentir o que precisava solucionar. 
    O corpo viu este homem que luta e foi até ele, cutucando-o no ombro, para lhe falar: “Obrigado por não me insultar, mas devo dizer-lhe: o caminho ainda é muito extenso, mas você não pode dar mais um passo como aquilo que é.” E o homem perguntou-lhe: “Como, se já consegui tudo que queria e derrotei o câncer?” E o corpo respondeu-lhe: “Sim, mas ainda há muito mais, e seus desejos em nada se comparam ao que está por vir.” E o homem curioso, perguntou-lhe: “O que tenho a fazer?” E o corpo respondeu-lhe: “Morrer. Não podes ser aquilo que virá, mas podes ser aquele que o dará vida com o seu sangue!” O homem ao escutar isso permaneceu mudo, mas depois disso rosnou e saiu correndo pela floresta.
    Assim falava Nietzche.
    E assim ele babou pelos últimos dez anos de sua vida.

    Conclusões: O eu pode ser eu e se achar sozinho na ignorância do pertencer ao em si. Porém, esta própria ignorância pode ser uma desistência do em si sobre o eu, que o deixa se afundar em si próprio.

Um comentário:

Marco Antônio de Araújo Bueno disse...

O corpo como a Grande Razão - essa sacada inclui o filósofo no olho do furacão do debate do Iluminismo.Lacan escreve 'Kant avec Sade' para fazer o primeiro confessar algo...