Heidegger, Muito Além do Jardim


Uma hermenêutica do termo ser na história da filosofia é o que busca fazer Martin Heidegger a partir de seu livro o Ser e o Tempo. O ser não é aquele que é, mas sim aquele que é em relação a outro que julga esse ser, que se importa em julgá-lo. Um ente pode ser um ser, mas nem todo ente é. O ente é o fenômeno, aquilo que existe, a coisa em si mesma, e pode ser julgado ou não por um outro como um ser. O ser-aí é o julgador, o ser que se pergunta se é, que se importa. O ser-aí é quem dita o que o ser foi, é e será.

Uma pedra existe, ou melhor um conjunto de entes é julgado por um ser-aí como um ser ao qual é associada a idéia de pedra, a conjunção de vários entes como um único ser. O espaço e o tempo são usados para posicionar os entes que compõem a pedra no ser que o ser-aí a coloca. O ser-aí pode ser o homem, mas também pode não ser. Pode ser o homem que se assumindo como ser-aí, se importando em fazer isso, tenta buscar a interpretação de seus entes formulando um ser. Um ser-aí numa constante dialética consigo mesmo em busca do ser que melhor representará o seu ente, que melhor lhe servirá de espelho. Mas se o homem não se pergunta que é, logo não é. Ou melhor quem é que deu a interpretação do ser pedra aos entes que a compõe? Foi um homem, mas não é este que a mantêm, mas sim a própria idéia a continuar pelo tempo passando por muitos homens. O ser-aí é a informação passada pelo tempo a ditar os seres há muito afastados dos seres-aí que os interpretaram originalmente. A importância de identificar seres nas coisas em si está longe, mas sua interpretação continua.


O ser-aí enquanto no homem, no homem que se importa em se perguntar de seu ser e sua relação com os outros seres ao seu redor, se importa em interpretar os significados dados aos muitos entes, e ir mais a fundo, desconstruindo estes e construindo outras interpretações, outros seres, para melhor chegar as coisas em si, é a consciência. É a consciência intencional do homem, é ele tomando responsabilidade pela sua relação consigo mesmo e com o seu mundo exterior. Sua responsabilidade sobre sua própria interpretação de si e do mundo. Heidegger considera o tempo com um dos principais pontos de referência nesta relação entre o ser que julga, o ser-aí, o importar-se, e o ser julgado, a interpretação dos entes, o fenômeno intocado. É sua própria mortalidade que organizara as relações do homem. O importar-se é contabilizado e logo composto pelo tempo.

O processo pelo qual o ser-aí no homem e o ser se relacionam é uma angústia. A angústia da fenomenologia, de querer conhecer a coisa em si, o ente que existe, e constantemente se deparar com um ser espelho, o ser de sua interpretação. Uma dialética apontada por Hegel, em que o ser que julga cria o ser que é julgado, e depois ao colocá-lo em par com a existência, e analisando suas incongruências tem de voltar ao seu próprio ser, para através de sua faculdade de ser-aí, poder se julgar a fim de desenvolver um novo ser que melhor será capaz de julgar outros, se aproximar mais deles, porém ainda encontrar incongruências e assim continuar seu ciclo dialético. Sartre vai além e diz que nem o tempo pode ser considerado como um ponto de referência fixo ao ser. Para ele é o nada, ou seja, qualquer coisa, o objeto em que o ser se realiza como ser e começa sua eterna dialética. O tempo pode ser a referência ao julgar, mas dependendo do ser que está a fazer o julgamento, pode ser completamente ignorado.

Um bom exemplo da filosofia heideggeriana aplicada pode ser visto no filme de Hal Ashby, Being There, com Peter Sellers, ou seja, o ser-aí. Neste o protagonista, que além de ter suas faculdades mentais limitadas, também passou a maior parte da vida isolado, é obrigado do nada a interagir com o resto do mundo. E ele o faz, só que não a partir do ser-aí da sociedade, da cultura, mas sim a partir do seu próprio ser-aí, completamente afastado do cotidiano. Sua relação com seu próprio ser e as coisas ao seu redor é única, e todos ao seu redor nem o realmente notam, pois só o interpretam a partir de seu ser-aí da sociedade. O final é bem emblemático, ele caminha sobre as águas de um lago, pois para ele, para o seu ser-aí, o fenômeno que é o lago nem importa, e ele não pode afundar naquilo que não importa. 

Um comentário:

Cristiano Contreiras disse...

parabéns pela proposta e percepção do blog! abs