Espinosa: O Homem Afetado


O homem é afetado por objetos exteriores e é nesta afetação que nasce a distinção entre bem e mal. Pois, segundo Espinosa, todo ser tem um conatus, um esforço que faz para continuar a existir, tanto em termos de extensão, tanto em termos de pensamento. E este esforço é o que faz o ser se aproximar de objetos exteriores que lhe beneficiem, e repudiar os que contribuam para sua destruição, é o que dá vida a nossos conceitos de bem e mal.

   
O homem como qualquer ser é feito de muitas partes, e estas partes interagem de formas diferentes com os diferentes objetos ao seu redor. Estas interações são necessárias, e ajudam a manter o equilíbrio do ser. Como exemplo temos os apetites: a fome, a sede e o sexo; pulsões corporais que necessitam de objetos exteriores. O conatus é a consciência que regula essas interações com o exterior, é o que determina a potência de agir de cada parte com o mundo, de manter sua força de existir em meio a este. E esta potência, nessa interação com os objetos exteriores que a afetam, pode aumentar ou diminuir dependendo do objeto. A consciência dessa interação, desses apetites que afetam o homem, é o desejo. Segundo Espinosa, o desejo é a essência do homem. O desejo é que no conatus causa paixões com os objetos exteriores. Paixões que podem aumentar a nossa potência de agir, as paixões alegres; e paixões que podem diminuir nossa potência de agir, as paixões tristes. Neste esquema, os objetos que causam paixões alegres, são aqueles que consideramos como bons, e os objetos que causam paixões tristes, são aqueles que consideramos como maus.
   
Para atingirmos nossa potência de agir, segundo Espinosa, é necessário um esforço racional. Só com a razão entendemos as nossas paixões, e assim, podemos melhor distinguir as alegres das tristes, buscando as primeiras e evitando as segundas. A liberdade no homem é essa consciência de evitar o que diminui a sua potência e buscar o que a aumenta. Sabendo que é necessário manter um equilíbrio, não se deixando obcecar por nenhum objeto único, pois este mesmo causando uma paixão alegre em uma das partes pode prejudicar as outras, e sempre aumentando o número dessas paixões alegres, afim que todas as partes encontrem o seu equilíbrio.
   
As paixões podem ser fortes ou fracas, e o que determina isso é nosso conhecimento sobre o objeto a que se referem. Pois, o que as define como fortes ou fracas é seu nível de realidade, o quanto delas realmente conhecemos, e o quanto deste conhecimento é verdadeiro. Outros fatores importantes são sua presença ou ausência, e sua necessidade ou contingência. É mais forte a paixão por aquilo que necessitamos e se encontra ausente. 
   
Opondo-se a liberdade, há a servidão, que é a falta de ação na potência de agir, uma passividade aos objetos que nos afetam. Pois a interação do conatus com os objetos exteriores, implica uma alteração em ambas as partes. Uma alteração que com a razão pode implicar tanto um equilíbrio entre o ser e o objeto, tanto a destruição do segundo em benefício ao ser. A destruição do ser em benefício do objeto, ou sua completa alteração, é o estado de servidão. Como exemplo o suicídio, em que o ser é levado por forças externas a se destruir, não agüentando a afetação de objetos exteriores sobre ele, ou se alterando ao ponto de acreditar a sua destruição como benéfica.

O homem é livre quando sabe reconhecer as idéias e as paixões adequadas à sua essência. Pois se somos determinado a partir de fora, somos escravos, estamos em servidão, e se o que nos ocorre provem da nossa auto determinação, somos livres. O bem e o mal não existem como verdades absolutas, nós é que determinamos o que há de bom e mau no que experienciamos. O bom e o mau são dois modos de existir não polarizados, modos qualitativos e subjetivos. Aquilo que é experienciado por um dado indivíduo como bom pode ser menos bom para outro, muito menos bom para um terceiro e assim sucessivamente, até que se chega ao que é experienciado como mau. Assim, o indivíduo livre é aquele que tem potência para agir e escolher as interações que lhe convêm, as boas interações, enquanto que o indivíduo fraco é o que busca a escravidão, que não tem suficiente força de existir para escolher as boas interações e por isso as vivencia de maneira aleatória.
   
Do mesmo modo que determinamos os conceitos de bom e mau a partir de nossas interações e conhecimentos sobre estas, também o fazemos para os conceitos de perfeito e imperfeito. A validade do conceito de perfeição só pode ser dada havendo o conhecimento além da obra também das intenções de seu criador. Senão este conceito ficará a margem aleatória da interpretação de quem com ela interage. Como exemplo uma árvore, cujo nível de perfeição só pode ser julgado pelo conhecimento de seu papel evolutivo na natureza.

Nenhum comentário: