Klaus Kinski

O papel de um ator não é assumir um papel, é ser este papel até causar uma explosão expressiva, é transformar o filme num emissor deste papel, é gritar com o diretor quando este não o filma o suficiente, é bater na fotografia quando esta não o ilumina direito, é saber se manter na produção depois que o diretor lhe aponta uma arma. Qualquer oposto é ser uma mera prostituta cinematográfica, interpretando para quem der mais e quem aparentar fazer mais sucesso. E uma prostituta foi o que foi Klaus Kinski por centenas de filmes, porém por um décimo de sua produção, foi uma explosão maior que todas.

    Klaus Kinski marcou sua presença nos filmes do cinema novo alemão com sua parceria com Werner Herzog em Aguirre (1972), Woyzeck (1979), Nosferatu (1979), Fitzcarraldo (1982) e Cobra Verde (1987). E depois por sua própria mão em Paganini (1989). Sua atuação não foi parte dos filmes, foi os filmes em si. Herzog, não importando o quanto competente, só pode atingir o seu ápice graças a Kinski, já que um bom filme precisa de uma boa expressão humana, e Herzog só soube até hoje dirigir forças. Ele como diretor passou a vida a capturar na tela todo o tipo de força: a força da natureza, a força da sociedade, a força da consciência humana. E isto o fez preparado para captar a força da expressão humana encontrada em Kinski, uma força individual que dificilmente outro ator poderia emitir. Como exemplo Christian Bale em Rescue Down, um ator extremamente competente, mas não uma força.


      Em todos os filmes da união entre Kinski e Herzog, o diretor pode trabalhar a expressão do último homem, uma criatura que se vê como o deus de seu mundo e se perde em obsessão pelos seus objetivos. Em Aguirre, Kinski foi a fúria humana contra a fúria da natureza; em Woyzeck, a fúria da ordem em meio a fúria da desordem do estado e das circunstâncias; em Nosferatu, a fúria da compulsão eterna a quebrar a fúria da vida; em Fitzcarraldo, a fúria burguesa a conquistar a fúria da natureza; e por fim, em Cobra Verde, a fúria do homem a dominar a sociedade. Nenhum desses filmes teria dado certo, caso não tivessem como protagonista um ator que borrasse as fronteiras entre a realidade e a representação, que imerso em sua arte, fosse um louco, a atuar o tempo todo e que assim nunca a aparentar estar atuando.

    A atuação de Kisnki foi uma mistura do método desenvolvido por Constantin Stanislavski, de assumir o papel, as emoções do personagem, de uma forma controlada, e os objetivos expressivos de Antonin Artaud, de estabelecer uma ligação absoluta entre a vida e a arte, fazendo a expressão se tornar linguagem absoluta no espaço.

    O método de Stanislavski tinha como princípio educar as emoções, dando a possibilidade ao ator de evocá-las controladamente, dando vida a sua repetição teatral, deixando, então, de ser uma mera repetição de expressões. Em seu método, o ator devia  parecer o mais possível com a vida real. O papel e o ator deviam se ligar, dando vida aos personagens a partir de partes do próprio ator, este que deveria amar o seu papel e se entregar de inteiro para ele, deixando o fluir em seu ser. Usando o método, o ator é levado a proceder a uma profunda análise de si mesmo, bem como ao conhecimento do seu personagem, é levado a descobrir os objetivos do personagem a cada cena, dentro do objetivo-geral da peça inteira. Seu método também prezava um controle sobre ação física, já que toda a emoção flui independente da vontade, o ator deveria tomar posse sobre ela, exercer total controle, como tem sobre o seu corpo. Dominando-se a ambos, a vontade passa a controlar emoções como os movimentos somáticos. Para tanto, são feitos exercícios em que a memória emocional é evocada.

As técnicas de Artaud, por sua vez, não prezavam o realismo de atuação, mas a arte dentro do ator, ou seja, a sua real arte. Pare ele o grito, a respiração e o corpo do homem eram lugar primordial do ato de atuação. Sendo contra encenações digestivas e a uma supremacia da palavra. A linguagem da atuação deve ser um encontro de linguagens: linguagem espacial, linguagem de gestos, de atitudes, de expressões e de mímica, linguagem de gritos e onomatopéias, linguagem sonora. Todos os elementos objetivos devem se transformar em sinais, sejam visuais, ou sonoros, que terão tanta importância intelectual e de significados sensíveis quanto a linguagem de palavras.

Por essas técnicas, Kinski toma em seu ser toda a loucura e determinação da raça humana, usando-a para compor os seus personagens, buscando sempre transmitir um realismo da expressão artística humana. Seu realismo, por fim, não é por ações desordenadas e palavras fracas de um ser humano comum, mas por gritos e olhares, pausas e posicionamentos corporais de um ser que não baixa a cabeça, que é centro de seu universo, o último dos homens. E Herzog sabia disso, sabia que ao contratá-lo teria a melhor representação da capacidade humana, mas que também teria uma tempestade em suas mãos. Seu trabalho de direção de Kinski, era um de controlar uma força de mesmo tamanho da natureza, ser amável o suficiente para que pudesse filmar seus atributos, mas também firme e ameaçador para não ser engolido. O que com Kinski significava lidar com uma criatura que se enfurecia facilmente com a mínima desordem que encontrava em seu caminho; jogando pedras, perfurando paredes a socos, gritando sem parar; e que também toda vez que se via impossibilitado de controlar o queria, simplesmente ia embora, ou deixava de dar o seu máximo.

Muitos diretores como Federico Fellini, Pier Paolo Pasolini, Luchino Visconti e Steven Spielberg procuraram Kinski para atuar em seus filmes, porém foram todos recusados, provavelmente porque este sabia que eles só o queriam como um mero ator, e não como Kinski. Preferiu ganhar dinheiro com filmes trash, e passar o tempo a seduzir suas jovens protagonistas, que aturar visões de outros que provavelmente não agüentariam a sua. Como um exemplo veja Crawlspace de David Schmoeller, um dos outros raros filmes em que Kinski deu o seu real desempenho, que acabou como uma piada em que o diretor não soube o que tinha em mãos. Só Herzog soube entendê-lo e aproveitar todo o seu potencial, sabendo quando lhe falar calmamente como uma amigo, e quando lhe apontar uma arma.

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